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sexta-feira, 8 de março de 2013

Comendo a maçã pelas beiradas - New York


[Texto feito especialmente para a Revista DiVino]




A história nos prega peças. Nos anos 80 o Brasil vivia a chamada “década perdida” dada a crise econômica que nos assolava. À época, ouvia relatos de amigos que passavam férias em Nova York se alimentando de comida de rua para economizar uns bons trocados. Nossa versão do “tapeo” espanhol era parar de barraca em barraca vivendo de pretzels e cachorros-quentes dada a impossibilidade de começar uma refeição desembolsando 8 dólares numa simples garrafa de água, em um restaurante qualquer.

Hoje em dia, o caldeirão cultural que é a Big Apple cozinha em seu interior uma nova maçã, um tanto escaldada pela crise. Tapeando o bolso, o nova-iorquino agora vai de restaurante em restaurante, tirando o melhor de cada lugar sem grandes prejuízos. É um novo tipo de “scavenger hunt”, a gincana americana, em que a busca é por tesouros gastronômicos desvelados graças à desaceleração econômica.

Na América, faça como os americanos. Seu fim de semana típico na “nova” York pode ser assim, pontilhado de visitas a lugares badalados sem passar fome ou quebrar a banca:

The NoMad: veludos e cetins no ambiente
elegante cool de Jacques Garcia.
THE NOMAD – O restaurante do hotel homônimo entrou na lista de desejos dos “foodies” por conta de um frango assado para dois. Bem... não foi exatamente assim. O hotel Algonquin, o mais antigo de Nova York ainda em operação, foi rebatizado e totalmente renovado no Verão de 2012 pelo arquiteto Jacques Garcia, o mesmo por trás do Hotel Costes em Paris. O frango do chef Daniel Humm veio surfando alegremente no sucesso da faladíssima reinauguração graças a uma longa e complicada preparação, escoltada por foie gras e trufas. Quem não quer desembolsar os US$79 pelo frango no jantar, usufrui da mesma badalação no brunch abarrotado, comendo uma versão de bolso – em duplo sentido – do famoso galináceo, com foie gras e óleo de trufas a US$26. Garanto que o carinho dispensado à ave é o mesmo.

The Tavern: queijos do Maine, Oregon, New Hampshire,
Pennsylvania, Vermont e Virginia.
Espetaculares.
GRAMERCY TAVERN – O restaurante há quase 15 anos figura entre os mais populares do guia Zagat, tem 1 estrela Michelin, 3 estrelas no guia do New York Times e acaba de ser premiado em 2012 com o Outstanding Award da James Beard Foundation. A crise talvez tenha feito o fluxo diminuir no salão principal, em que o menu degustação do jantar sai a US$116, sem bebidas. No entanto, o que todo habitante da ilha sabe, é que na Taverna, o salão mais informal da entrada, há um outro menu degustação de US$48 e o melhor: uma excelente seleção de queijos de Vermont, Virginia e do próprio Estado de NY. Um prato com 3 queijos de US$14 vai encontrar seu par perfeito em um dos 31 rótulos de cervejas artesanais da casa, a partir de US$8 a garrafa.

Buvette: sempre abarrotado. Comida fácil
e ambiente idem.
BUVETTE – um cantinho francês em Nova York com decoração de inspiração provençal ganhou o coração dos locais (e dos críticos) com croques, mini caçarolas de coq au vin ou coelho, brandades de bacalhau, pequenas rilletes e outros pratinhos com preços que lhe equivalem em tamanho. Naquele lugar lindo e atemporal, meu programa ideal seria um steak tartare (US$15) acompanhado de um copo de vinho e arrematado por uma tarte tatin com creme azedo (US$8).

Aquagrill e as imensas ostras Belon do Maine,
à direita.
AQUAGRILL -  Henry Hudson, explorador inglês a serviço de holandeses, fez em 1609 uma onerosa expedição pela costa americana em busca de uma passagem para a China. Ao longo da viagem, em troca de ferramentas e outros, os habitantes locais cobertos de peles lhe ofereciam feijões, maconha e uma iguaria tão viciante quanto: as ostras. Já a minha expedição em busca das melhores ostras americanas saiu bem mais em conta. No Aquagrill são vendidas por unidade e devorá-las no balcão é uma das maiores alegrias dos nova-iorquinos que regulam o apetite pela profundidade do bolso. Os preços variam de US$2.15, pela Blue Point de Nova York, até US$3.65 pela imensa Belon, do Maine. Poderia morrer ali, devorando minha preferida dentre todas as 27 variedades da casa: a East Beach Blond, de Rhode Island, que sai por US$3.

Il Buco: balcão de queijos logo na entrada pra
despertar os desejos mais untuosos.
IL BUCO ALIMENTARI & VINERIA – A entrada do restaurante se dá através de uma delicatessen e havia uma bela aglomeração junto ao balcão de frios e queijos. Um queijo é só um queijo. Sim. E custa US$8 a porção. Muito? E quando você sabe que o leite de ovelha com o qual é feito foi retirado na Primavera, época em que o pasto jovem lhe confere um aroma único? E quando você entende que, de agosto a novembro, o queijo é recoberto de feno e colocado num poço para que a flora bacteriana que só existe na Romagna faça o lindo trabalho de transformar a massa láctea num dos mais tradicionais pecorinos da Itália? Sim, é o queijo da Fossa dell’Abondanza, de importação exclusiva do restaurante. A iguaria pode ser devorada na mesa comunitária junto com os presuntos curados na casa, provenientes de fazendas “eco-friendly” (eu sei... vá explicar isso ao porco!). O fato é que além do cuidado com os ingredientes, o restaurante é disputadíssimo, graças à boa oferta de pratos clássicos italianos num ambiente rústico/metal/cool. Experimente a deliciosa Lasagnette à Bolonhesa de US$22 e regue com uma taça de vinho a partir de US$10.

Beaumarchais: música pra embalar o
croque monsieur trufado.
BEAUMARCHAIS – Ingira e digira. A frase não é harmônica, mas a proposta da casa, sim. Terminar um brunch em boate pode ser uma excelente pedida pra quem quer fazer dois programas distintos ao custo de um só. Um delicioso e imenso croque monsieur trufado custa apenas US$15 e ovos beneditinos, US$18. Passe do cappuccino aos drinques à medida em que o volume aumenta, e aproveite! Afinal, o brunch acaba às 19hs, e com ele seu fim de semana sem o menor sabor de crise.


Informações:

The NoMad
thenomadhotel.com
1170, Broadway & 28th street
212.796.1500

Gramercy Tavern
gramercytavern.com
42, East, 20th street
212.477.0777

Buvette
ilovebuvette.com
42, Grove Street
212.255.3590

Aquagrill
aquagrill.com
210, Spring street
212.274.0505

Il Buco Alimentari & Vineria
ilbucovineria.com
53, Great Jones street
212.837.2622

Beaumarchais
brasseriebeaumarchais.com
409, West 13th street
212.675.2400

domingo, 27 de janeiro de 2013

A Batalha de Rosanjin - Rosanjin, Nova Iorque


Na antiga Kioto, há mais de 500 anos, jovens monges zen-budistas carregavam pedras mornas em seus hábitos para mascarar a fome. Nascia o kaiseki (kai=ventre; seki=pedra).

Até o século 16, o nome batizou uma parte da cerimônia do chá servida aos viajantes que paravam nas ryokan, hospedarias tradicionais de Kioto. A refeição kaiseki consistia, então, de uma tigela de missô e três pratos.

Hoje, nos restaurantes, o termo designa um artístico e refinado menu degustação. Uma sequência de sete a nove pratos em ordem específica de serviço e cocção, é levada à mesa em delicados recipientes, com intervalos precisos.

***
Acompanhada de duas crianças famintas, adentrei o Rosanjin, um dos três restaurantes em Nova York que melhor executam o ritual kaiseki. Nem uma pedrinha sequer mascarava nossa fome.

Anunciei minha reserva e ouvi: “Sówi, wi dón têi no childên unda tãhtín.” (que em japanglês significa “desculpe, não aceitamos crianças com menos de 13 anos”). Não, não fiz cara de monge. Meu olhar nada zen budista acompanhou a voz, duas oitavas abaixo, argumentando que isso deveria ter sido dito no momento da reserva.

Como a comunicação parecia não ser nosso forte, não movi um músculo sequer em direção aos dois graus abaixo de zero que se instalaram na minha orelha esquerda por conta de uma pequena fresta da porta de entrada. Depois de uma longa troca de olhares à la Kill Bill, com trilha sonora mental e tudo, “enguicei” a hostess. Desconcertada, decidiu perguntar ao dono se poderíamos nos sentar.

Finalmente adentramos no território sóbrio e escuro, em vermelho e preto, no qual crianças jamais haviam pisado. O exército inimigo consistia da hostess, dublê de garçonete e de uma outra moça igualmente simpática e bonita. Não me deixei trair pelas aparências; por trás daqueles sorrisos havia inúmeras dúvidas: eles pagarão o preço cheio do menu pelas crianças? Serão pequenos demônios que incomodarão os demais clientes? Devolverão os pratos? Cuspirão em mim?

Do lado de cá do front, temia que não suportassem a batalha de ingredientes desconhecidos e excesso de etapas. Num tom firme, calmo e preciso anunciei: “Filhos, são oito pratos e é isso.”.

Tomei a poção mágica para garantir a coragem. Era o saquê Yuji no Bosha, cuja tradução é algo como “cabana na neve”. Aquilo me inspirou: eu estava na cabana, a neve rolava lá fora e nem a pau enfrentaria o frio antes dos oito pratos.

Olhares assustados acompanharam a chegada do primeiro desafio.


O abre-alas consistia de lascas de caranguejo com baby tatsoi, cogumelos enoki e pignolis marinados em caldo de bonito. Nem eu havia entendido a descrição do prato em “japanglês”, que dirá meus pobres soldados. Fosse em português, perdíamos a guerra. Confusos, me encaravam como quem pede permissão para ir adiante. Com um aceno de cabeça, dei a ordem e meu pequeno exército seguiu marchando. Uma cutucada com o garfo aqui, uma separada de folha ali, e vejo minha filha menor colocar na boca um dos ingredientes. Depois de alguns segundos de apreensão em que não respirei ... ela gostou.

Passada a primeira luta, seguimos com os sashimis de atum blue fin, olho-de-boi, fluke e golden snapper. Sashimis nunca foram desafio para as crianças cariocas. Avante!

Em seguida, um nada ameaçador olho-de-boi grelhado e marinado em yuzu e missô branco, que deixava um gosto untuoso e doce na boca. Maravilhoso.

O exército inimigo começava a estremecer, e então veio com tudo: um dumpling de peixe com juliana de cebolinha, wasabi fresco, cogumelos matsutake, caldo de peixe levemente defumado, flor de crisântemo e folha de ouro ameaçava derrubá-los. “We will never surrender!”, pensei. Enquanto ninguém olhava e com um golpe rápido de fazer inveja a qualquer samurai,  arrematei metade dos pratos de cada filho.

Um tempura de linguado enrolado em folha de shiso, outro de lula enrolada em alga, e ainda tempuras de batata doce e ervilha foram apresentados com um sorriso nos lábios. Ora, toda mãe sabe que crianças comerão qualquer coisa empanada e frita. Sequer piscaram.

Exaustos e quase sem forças, ainda cutucaram algo do arroz tradicional cozido no caldo de peixe, com cogumelos shimeji, legumes em picles e sopa de missô vermelho.

O inimigo lutou até o fim, com uma última investida na forma de um sorvete de chá verde com pudim de feijão azuki e romã. Vitoriosos, meus soldados lamberam os beiços.

O salão, em silêncio, nos olhava respeitosamente. Contive o impulso ridículo de fazer um high-five com meu filho.  Finda a batalha, a garçonete pergunta se éramos do Brasil e afirma saber que tínhamos a maior colônia fora do Japão. Em seguida, completa: “Bem que percebi. Com a naturalidade com que eles comeram, nossa cozinha deve ser como a da “mamma” não?”  

Pisquei para as crianças e disse a eles baixinho: “Desta ‘mamma’, com certeza!”

***

Esta história é baseada em pratos reais, mas a fantasia que se desenrolou na cabeça da autora, não. Exceto a pequena confusão da reserva, o serviço foi excelente e a comida, fantástica. Este filme, definitivamente, não é recomendado para menores de 13 anos.

ROSANJIN
www.rosanjintribeca.com
101, Duane St. - New York
212.346.0664




terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Sobre nomes e outros - Public, Nova Iorque



Meu pai nasceu em 1916 e era um verdadeiro “pai-avô” que decidiu casar-se e ter filhos depois dos 50 anos. Era o caçula de nove irmãos. 

À época, eram comuns os nomes duplos, com o primeiro nome homenageando um parente e o segundo, um padrinho, amigo ou personagem ilustre. O resultado era, naturalmente, uma catástrofe. Uma salada nada harmônica para os ouvidos: José Maria, Renato Adolpho, Henrique Aníbal, Joel Cristiano, Graziella Alda, Raquel Eunice, Gilda Alice, Celeste Margarida e... Ivo, que se salvara com o nome único e simples graças ao fato de ter sido adotado.

Corta a cena. Nova Iorque, 2013. Meus olhos passeavam pelo cardápio do Public, restaurante em Nolita. 

Avistei uma salada de lentilhas com vagens, abacate, noz pecã, melaço de romã, óleo de abacate e mini gema de ovo. Em seguida, me deparei com uma truta da Tasmânia com purê de cenoura e cardamomo, funcho refogado no hibisco, grão de bico e edamame. Parei.

O nome dos ingredientes não casava com a memória dos sabores. Era Celeste Margarida do início ao fim.


O ambiente do restaurante é lindo. Um salão mais intimista, com música baixa e bem iluminado antecede um outro imenso, com pé direito alto e um bar bastante disputado. O rock nos ouvidos e o cardápio eclético nas mãos compõem o cenário perfeito pra casais jovens e ousados que buscam combinações não convencionais.

Para a minha absoluta tristeza, a luz era baixíssima e as fotos ficaram bastante ruins. 

Começamos com a salada de lentilhas, a dos 200 ingredientes.


Em seguida, a língua de wagyu grelhada com iogurte de manteiga queimada, anéis de cebola e relish de gengibre e cebolinha. 


O melhor dos pratos, um cavatelli de ricota com bolonhesa de cenoura, manjericão tailandês e pesto de castanha de caju.


A sugestão do dia era o tio Ivo: um simples robalo com caranguejo gigante.

A sobremesa, como não poderia deixar de ser, era uma torta de limão com yuzu, sorbet de côco com merengue, limão kafir e macadâmias caramelizadas.


Cheguei ao fim do jantar com a certeza de que suprimiria, sem pestanejar, um quarto dos ingredientes de cada descrição simplesmente pra que ficasse mais palatável, já que a presença dos sabores era harmônica e sutil.

Ah, sim... Meu pai se chamava Helio Marcos. Um nome que aprendi a amar. Você pode até não gostar da combinação, mas o resultado tanto no caso dele quanto no de meu irmão homônimo, foi indiscutivelmente adorável.

PUBLIC
www.public-nyc.com
210, Elizabeth Street
(entre Prince e Spring)
tel: 212.343.7011

Horários:

Jantar:
Segunda a quinta, das 18hs às 23hs.
Sextas e sábados, das 18hs à meia-noite.
Domingos, das 18hs às 22:30hs.

Brunch:
Sábados e domingos, das 10:30hs às 15:30hs.







domingo, 6 de janeiro de 2013

Il Buco Alimentari e Vineria, New York


ESPELHO, ESPELHO MEU...


... Existe alguém mais lindo do que eu? Não, isto não é um conto de fadas. É a história que se repete mundo afora, no momento em que o chef escolhe um produto simples, perfeito e... pimba! Decide soterrá-lo sob a sua vaidade.

Tome uma ricota delicada, untuosa e de boa procedência. Para que brilhe basta um bom pão, um fio de azeite e voilá! Mas não... Vem o momento “espelho meu” e o cozinheiro não admite que ela não traga sua assinatura. A pobre ricota será então esferificada, processada, engrossada, desidratada, gelificada, ou ainda, misturada com 15 ingredientes que não se dão. 

Parece que o mundo vive uma espécie de adolescência gastronômica, em que diante de tantas técnicas, apetrechos e produtos de toda parte, a tentação é experimentar.

Como genialidade é algo raro, ando cansada das tentativas de se criar algo original. Estou cada vez mais crua, direta e franca nas escolhas. Quero pratos simples e  com bons ingredientes, e precisei de 20 longos anos pantagruélicos pra descobrir que isso me deixa genuinamente feliz.

Buscando bons ingredientes fui parar no Il Buco Alimentari e Vineria, em NoHo, Nova Iorque. Ouvira dizer que na deli da entrada havia um bom salame, curado na casa, e um bom pecorino, de importação exclusiva da Fossa (cova) dell’Abondanza, na Emilia Romagna. E que ambos poderiam ser comidos com os pães fresquinhos como o de lentilhas, o de figos e avelãs e outros tradicionais italianos como ciabatta e focaccia. “Sem mais, despeço-me”, pensei.


Mas bastou uma espiadela no salão rústico-metal-cool do restaurante pra decidir ficar pro almoço. O cardápio é enxuto e a carta de vinhos, deliciosa, com ótimas opções em copo da Itália e EUA.

O jazzinho gostoso embalou meu pratos...

A ricota estava lá, com lâminas de beterraba que felizmente
não ofuscaram seu brilho. A melhor das entradas.

Polvo com grapefruit, cenouras e alho negro.

Lasagnette. Simples e perfeito.
Vista da mesa comunitária, com a cozinha aberta ao fundo.

Spaghetti com creme de bottarga.
Preferiria que a bottarga fosse em lascas para que a pungência
das ovas se alternasse com a neutralidade da massa.
Ainda assim, muito bom.

Orata, grelhada com um fio de azeite e limão confit.
Deliciosa.


A panna cotta estava leve e divina e, supostamente, viria
com balsâmico envelhecido por 10 anos.  Foi batizada (sem
qualquer explicação) com um balsâmico jovem.
Fechei os olhos e dei mais uma colherada.


E ainda arrematei o almoço com meu passito preferido, o Bukkuram do Marco de Bartoli.

Finda a comilança, suspirei e olhei ao redor. Havia velhinhos elegantes, jovens largados, amigos às gargalhadas e famílias reunidas. A mistura ali, felizmente, é no salão e não nos pratos. Receita pra um estômago feliz.

IL BUCO ALIMENTARI e VINERIA
www.ilbucovineria.com
53, Great Jones St. - NoHo
+1 (212) 837-2622

Horários:

de segunda a quinta:
almoço de meio dia às 15hs
jantar das 18hs à meia-noite

sextas e sábados:
almoço de meio dia às 15hs
jantar das 18hs à 1h

domingos:
almoço de meio dia às 15hs
jantar das 18hs à 23hs










domingo, 11 de novembro de 2012

Fato relevante - Boulud Sud, Nova Iorque


Era de se esperar. A euforia causada por sermos quatro grandes amigas milagrosamente juntas numa viagem a Nova Iorque fazia com que quatro monólogos concomitantes se disfarçassem em diálogo. De tempos em tempos algum fato relevante silenciava as outras três, mas devo admitir que era momento raro.

Eis que lá pela 56 com Madison, alguém exclama: “a nossa reserva!”. A quinze minutos e treze quadras de distância em pleno "rush", jamais chegaríamos a tempo, a pé ou num táxi.

Enquanto discutíamos (ao mesmo tempo, claro) uma solução para o problema, campainhas estridentes prenunciavam: “Pedicab? Pedicab?" na figura de um oriental e um porto-riquenho.

Os pedicabs, ou ciclo riquixás sempre me envergonharam. Olho pro meu tamanho e chego à conclusão de que a vítima não me merece por nenhum dinheiro do mundo. Ainda assim, constrangida e premida pelo tempo, aceitei. Presenteamos cada trator humano com mais de uma centena de quilos e torcemos pelo melhor.

O ciclista que levava minha irmã e uma amiga
ganhava distância a cada pedalada,
o que me convenceu imediatamente
a comer menos no jantar.
O sofrimento imposto aos pobres ciclistas causou inúmeros ataques de riso com lágrimas, tão constrangidos quanto histéricos, enquanto vencíamos as quadras que cruzavam a Central Park West. 

A gorjeta foi proporcional aos quilos adicionais e ao prazer sádico que gerou nas passageiras. Invadimos o restaurante com humor ímpar, retomando os monólogos egoistamente animados.

Sou fã dos restaurantes do Daniel Boulud, mas aquele ambiente, confesso, não me disse absolutamente nada, desde os sofás “boludos”, com o perdão do trocadilho, aos quadros de gosto duvidoso com suposta inspiração mediterrânea pelas paredes. Enfim, fomos ao trabalho:

Começamos com a salada grega. Deliciosa.
Simplicidade é sempre tudo quando os ingrediente são fantásticos.
Tartine de ouriço e caranguejo, com azeitonas verdes,
creme de limão e torradinha de centeio e algas
Vieiras com cebolas assadas, folhas e creme de ervilhas.
Velouté de cebola “vidalia” e pesto de alho selvagem.
Linguini com amêijoas.
Lombo de cordeiro picante com couscous m’hamsa,
iogurte e berinjela algeriana.
Por fim, um delicioso Côte-Rôtie regando a refeição. 
Nenhum dos pratos se tornou um fato relevante o suficiente a ponto de calar as alegres comensais. Ainda assim, tivemos uma noite muito agradável. Moral da história: vá, que seja de riquixá.



BOULUD SUD
www.danielnyc.com/boulud_sud.html
20, West 64th Street (entre Broadway e Central Park West) - Nova Iorque
Tel: 212.595.1313
Almoço:
segunda a sexta: meio dia às 14:30hs
sábados e domingos: meio dia às 15hs
Jantar:
segunda a sábado: das 17hs às 23hs
domingos: das 17hs às 22hs




sexta-feira, 6 de abril de 2012

O milagre do Natal - Brasserie, Nova Iorque.


Minha mãe é um tamagotchi. Sim, aquele brinquedinho japonês que morre se não for alimentado a cada X minutos. No caso do meu exemplar caseiro, a falta de alimentação provoca a morte de quem a cerca caso o suprimento não venha em intervalos regulares. Pra ser exata: a cada duas horas e meia.

Era Natal em Nova Iorque e vagávamos pelas ruas sem rumo e sem reserva; quatro crianças, dois adultos e um tamagotchi. O Natal é o único dia do ano em que a cidade fica irreconhecível, despida daquela multidão frenética, do barulho intermitente de ambulâncias e carros de polícia, e com todas as lojas fechadas. 

Três horas haviam se passado desde a última barra de cereais, suprimento de emergência que carregava na bolsa. Eu, que recebera beijos e afagos trinta minutos antes, agora ouvia: “fica obrigando as pobres crianças a uma caminhada terrível!”, “não vê que a menina chega a estar pálida de fome?”, “essa mania de querer sair do hotel!!”, “ah, Meu Deus, não passa um táxi. Já era!”, “eu sabia que ia ser esse horror!”.

As reclamações eram tão ritmadas quanto nossos passos e haviam plantado a semente da rebelião infantil que se daria, na melhor das hipóteses, duas quadras adiante. Até que ouço um grito desesperado: “Ali! Ali tem um restaurante!”. Antes que pudesse reagir, minha mãe seqüestra duas crianças e as empurra com os dentes trincados e aos solavancos porta adentro. 

Olhei para o salão abarrotado e quase perdi as esperanças. Avaliei a situação do tamagotchi, que já tinha os olhos saltados e, imediatamente me veio à cabeça a cena premonitória em que, diante de uma negativa, minha mãe assassinava a recepcionista com a faca do couvert. Fiz um download de todas as preces que conhecia e São Longuinho, misericordiosamente, apontou a única mesa disponível. E ela tinha exatos 8 lugares.


Ao primeiro olhar, ninguém diz se tratar de um negócio instalado em 1959 no prédio da Seagram. A vitalidade do serviço, o ambiente e o público emprestam à Brasserie, um dos franceses mais clássicos de Nova Iorque, ares de restaurante recém inaugurado.

O ambiente imenso é de um futurismo meio "Jetsons"e o menu atende a todas as expectativas, desde o hambúrguer para as crianças até os clássicos franceses com um twist, como o steak frites, salada frisée aux lardons ou a sopa de cebolas que fez voltar a cor, o sorriso e a alegria ao rosto de minha mãe.


E quem resiste a uma sopa de cebolas clássica? 
Tartare de atum, com coentro, gengibre e crocante de inhame. 
Salada de beterrabas com queijo de cabra e noz pecã. 
O jumento mais simpático que já conheci,
da Brosseau Vineyards, cítrico e mineral como eu gosto
. 
Bolo de caranguejo 
Salmão com gnocchi frito, couve flor e inhame picante. 
Peixe grelhado com vagens e ervas de Provence. 
Tarte tatin (embrulhadinha) com crocante de maçã
e sorvete de maçã caramelizada.
 
Ganache de chocolate com sorvete de tangerina.

Realmente não esperava que o lugar deixasse a tarde cinza e o tamagotchi do lado de fora e nos brindasse com um oásis para todos os tipos de fome ou idade. Brasserie: um belo presente de Natal. 

BRASSERIE

www.patinagroup.com/restaurant.php?restaurants_id=55
End: 100 East 53rd st. - New York
Tel: 212 751.4840
café da manhã - de segunda a sexta, das 7:30hs às 11:00hs
brunch - sábados e domingos, das 11:00hs às 16:00hs
almoço - de segunda a sexta, das 11:00hs às 16:00hs
jantar - de segunda a quinta, das 16:00hs. às 23:00hs
jantar - sexta e sábado, de 16:00hs a meia-noite
jantar - domingo, das 16:00hs às 22:00hs

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

"As fábulas de York" - Gilt Restaurant, no New York Palace Hotel [fechado em novembro de 2012]


Era uma vez uma jovem donzela que se viu diante de um lindo palácio, num reino distante.

[Nota da Autora] A verdade é que a protagonista não era assim tão jovem tampouco donzela, e o Palácio em questão podia ser alcançado pela linha 6 do metrô local. Mas não nos percamos...

Numa noite chuvosa do mês de Dezembro, saltitava por entre as gordas pôças da Nova Cidade de York com suas galochinhas de cristal.

Após suas orações na Igreja de São Patrício, do outro lado da rua, onde suplicava por uma bela refeição que coubesse tanto no estômago quanto no orçamento, dirigiu-se à mansão Villard, construída em 1882, então rebatizada de New York Palace.

O pátio de entrada era decorado com motivos das catedrais italianas do século XV e uma linda árvore de Natal atraía os olhares dos cocheiros Raj e Mahmood que pilotavam as carruagens amarelas que ali paravam.

Sua visita ao Palácio tinha um claro objetivo: conhecer o trabalho do aclamado príncipe “Justin Bogle – O Novo”, apelido cunhado ao se tornar o mais jovem cavaleiro das távolas de York a ser condecorado com Duas Estrelas por sua majestade, o Rei Michelin.

Logo na entrada, o arauto anunciou: “Abram-lhe os portões! Ela tem reserva!”. O salão de banquetes era precedido por um ambiente festivo, com uma bela escultura geométrica que flutuava sobre o bar e parecia mudar de forma com as luzes coloridas projetadas sobre ela. Um belo contraste com as linhas sóbrias do edifício.

Sentiu uma pontada de arrependimento por não ter escolhido este primeiro ambiente, onde poderia experimentar com menos formalidade um dos 50 cálices de vinho disponíveis enquanto devorava batatas trufadas, pizzas, saladas e outros pratos ligeiros. Avistou o Santo Graal: um cálice de Krug Grand Cuvée a “modestos’’ 65 dinheiros, mas sua reserva lhe levou ao salão seguinte.


Diante do salão principal, pouco iluminado, a protagonista exclamou: “Redrum! Redrum!”- mas lembrou que isso era outro filme.  O salão elegante, de pesadas e adequadas cortinas de veludo vermelho, tinha o clima perfeito para levar seu Gato de Botas num momento especial, pensou.


Perscrutou o ambiente e deduziu que paletós eram requeridos e as vestes despojadas como jeans seriam certamente vítimas de disparos de tomates pelados das janelas da fachada principal.

Já no couvert, teve ímpetos de enfiar na bolsa o delicioso pão de figo com nozes para deixar um rastro de migalhas até sua casa. Por precaução, comeu três.


Divertiu sua boca com um borscht esferificado com caviar, creme azedo e crumble de trigo, provavelmente criado em homenagem pela passagem do rei da Ucrânia.

Em seguida, uma inesquecível, imperdível e sedutora iguaria local: “bacon & eggs”, que na versão do Palácio era uma espuma de ovos com tapioca de bacon, marmelada de cebolas e torresmo.


Do mar, uma poesia na forma de um polvo ao curry com tinta de lula e pedacinhos de blood orange.


Cebolas desidratadas enfeitavam o naco de carne mais macio e delicioso de sua vida: contrafilé maturado de Angus do Niman Ranch com salsify desidratada sob fio de alho negro, com cogumelos e esponja de salsa e pingos de creme de tutano.


O tal veado da Branca de Neve terminou em seu prato, com grãos triturados de café e creme de squash.


O nobilíssimo Earl Grey deixou lembrança em forma de espuma sobre sorbet de maracujá e crumble.


A maçã vinha “envenenada” com um sorvete de Lambic e esferas de maple e chocolate branco.


Toda a equipe foi muito acolhedora, mesmo diante da donzela que disparava com sua besta fotos em alta resolução de cada prato degustado.


Inebriada pelo Tokaji e pela experiência ímpar, foi arrancada de seu conto de fadas com um alerta do seu estômago que, inchado com a comilança, avisava: “você acaba de virar uma abóbora, e nem precisou de doze badaladas”.  


Era o fim de uma longa temporada gastronômica na cidade de York que começara dez dias antes. Nem a fada madrinha nem mil e uma noites sobre uma esteira elétrica semi profissional eliminariam o volume de seu estômago. Com um suspiro, escondeu seus cabelos rapunzélicos sob um chapeuzinho vermelho e partiu. Era hora de se despedir do Palácio, do Natal e da linda cidade de York.

GILT
no New York Palace Hotel
455, Madison Avenue
(212) 891.8100

[texto feito especialmente para o site "TALHERES, CHEGUEI!", de Pedro Mello e Souza]