Era uma vez uma jovem donzela que se viu diante
de um lindo palácio, num reino distante.
[Nota
da Autora] A verdade é que a protagonista não era assim tão jovem tampouco
donzela, e o Palácio em questão podia ser alcançado pela linha 6 do metrô local.
Mas não nos percamos...
Numa noite chuvosa do mês de Dezembro,
saltitava por entre as gordas pôças da Nova Cidade de York com suas galochinhas
de cristal.
Após suas orações na Igreja de São
Patrício, do outro lado da rua, onde suplicava por uma bela refeição que
coubesse tanto no estômago quanto no orçamento, dirigiu-se à mansão Villard, construída
em 1882, então rebatizada de New York Palace.
O pátio de entrada era decorado com motivos
das catedrais italianas do século XV e uma linda árvore de Natal atraía os
olhares dos cocheiros Raj e Mahmood que pilotavam as carruagens amarelas que
ali paravam.
Sua visita ao Palácio tinha um claro objetivo:
conhecer o trabalho do aclamado príncipe “Justin Bogle – O Novo”, apelido cunhado
ao se tornar o mais jovem cavaleiro das távolas de York a ser condecorado com Duas
Estrelas por sua majestade, o Rei Michelin.
Logo na entrada, o arauto anunciou:
“Abram-lhe os portões! Ela tem reserva!”. O salão de banquetes era precedido
por um ambiente festivo, com uma bela escultura geométrica que flutuava sobre o
bar e parecia mudar de forma com as luzes coloridas projetadas sobre ela. Um belo
contraste com as linhas sóbrias do edifício.
Sentiu uma pontada de arrependimento por
não ter escolhido este primeiro ambiente, onde poderia experimentar com menos
formalidade um dos 50 cálices de vinho disponíveis enquanto devorava batatas
trufadas, pizzas, saladas e outros pratos ligeiros. Avistou o Santo Graal: um
cálice de Krug Grand Cuvée a “modestos’’ 65 dinheiros, mas sua reserva lhe
levou ao salão seguinte.
Diante do salão principal, pouco iluminado,
a protagonista exclamou: “Redrum! Redrum!”- mas lembrou que isso era outro
filme. O salão elegante, de pesadas e
adequadas cortinas de veludo vermelho, tinha o clima perfeito para levar seu Gato
de Botas num momento especial, pensou.
Perscrutou o ambiente e deduziu que paletós
eram requeridos e as vestes despojadas como jeans seriam certamente vítimas de
disparos de tomates pelados das janelas da fachada principal.
Já no couvert, teve ímpetos de enfiar na
bolsa o delicioso pão de figo com nozes para deixar um rastro de migalhas até
sua casa. Por precaução, comeu três.
Divertiu sua boca com um borscht esferificado
com caviar, creme azedo e crumble de trigo, provavelmente criado em homenagem
pela passagem do rei da Ucrânia.
Em seguida, uma inesquecível, imperdível e sedutora
iguaria local: “bacon & eggs”, que na versão do Palácio era uma espuma de
ovos com tapioca de bacon, marmelada de cebolas e torresmo.
Do mar, uma poesia na forma de um polvo ao
curry com tinta de lula e pedacinhos de blood orange.
Cebolas desidratadas enfeitavam o naco de
carne mais macio e delicioso de sua vida: contrafilé maturado de Angus do Niman
Ranch com salsify desidratada sob fio de alho negro, com cogumelos e esponja de
salsa e pingos de creme de tutano.
O tal veado da Branca de Neve terminou em
seu prato, com grãos triturados de café e creme de squash.
O nobilíssimo Earl Grey deixou lembrança em
forma de espuma sobre sorbet de maracujá e crumble.
A maçã vinha “envenenada” com um sorvete de
Lambic e esferas de maple e chocolate branco.
Toda a equipe foi muito acolhedora, mesmo
diante da donzela que disparava com sua besta fotos em alta resolução de cada
prato degustado.
Inebriada pelo Tokaji e pela experiência ímpar, foi
arrancada de seu conto de fadas com um alerta do seu estômago que, inchado com
a comilança, avisava: “você acaba de virar uma abóbora, e nem precisou de doze
badaladas”.
Era o fim de uma longa temporada
gastronômica na cidade de York que começara dez dias antes. Nem a fada madrinha
nem mil e uma noites sobre uma esteira elétrica semi profissional eliminariam o
volume de seu estômago. Com um suspiro, escondeu seus cabelos rapunzélicos sob
um chapeuzinho vermelho e partiu. Era hora de se despedir do Palácio, do Natal
e da linda cidade de York.
GILT
no New York Palace Hotel
455, Madison Avenue
(212) 891.8100
[texto feito especialmente para o site "TALHERES, CHEGUEI!", de Pedro Mello e Souza]
Oi Critina, adorei seu post, também tenho essa "mania" de sair por aí experimentando novos sabores. Conto minhas experiências no blog weektips.com.br. Descobri seu blog pelo ótimo grupo que participamos no face, o Trip Tips. Estou adorando seu blog, vou ler tudo!!!!!
ResponderExcluirUm beijo, Simone
Você e a sua capacidade de nos transportar do texto para o local descrito nele, sério eu fico me imaginando saltitando entre as poças de NY, olha que nunca fui lá e consigo sentir o gosto do pão de figo com nozes! Ah, lindo texto!
ResponderExcluirFlávia, outros textos, poças e pães virão! Obrigada pelos elogios, querida! bjs
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