Desde que comecei a escrever sobre comida, as viagens viraram maratonas. Adoráveis, é verdade, mas ansiosas, ditatoriais e “recheadas” maratonas.
Ha sempre o momento do “chega”, povoado pelas mesmas rabugices mentais:
“Não agüento mais fazer quatro refeições por dia!”
“Pra quê a obsessão? Não vai dar pra conhecer tudo mesmo!”
“É claro. Meu marido vai me largar quando as arrobas que ando ingerindo forem parar nos meus quadris!”
O momento “chega”, que acontece lá pelo sexto dia de viagem, usualmente precede o momento “eu sabia”, que se dá logo após a primeira parada aleatória:
“Eu sabia que entrar em qualquer lugar sem fazer pesquisa ia dar nessa bomba!”
“Isso é pra aprender que lugar bonitinho é a maior furada.”
“Bem feito! Pagou caro por comida ruim!”
Pois bem, depois de um dia exaustivo, com os pés inchados e a barriga murcha, não restava disposição de pesquisar mais nada. Caminhamos pelas ruas próximas ao hotel em busca de qualquer coisa capaz de preencher o vazio onde outrora fora meu estômago. O alinhamento astral prenunciava a conjunção “chega/eu sabia”.
Não tinha qualquer esperança de encontrar nada medianamente recomendável; buscava tão somente um local que não exigisse mais da minha aparência do que a de um soldado desacordado rebocado de uma trincheira. Foi então que chegamos a um Impasse. Mais precisamente ao “Impasse Guéménée”, um dos vários becos sem saída da cidade, bem próximo à Place des Vosges.
Avistamos a luz âmbar de um bistrô e entramos. Como um cachorro faminto, devorava o que podia com os olhos: os copos dispostos sobre as mesas, os guardanapos feitos de panos de prato, as paredes de pedra e as vigas aparentes no teto. O público, predominantemente de bairro recebia a visita da feliz proprietária em várias mesas. Tudo que via era um convite aos olhos e um conforto à alma.
Num canto, quadrinhos antigos com o drink favorito do final do século XIX, feito com vinho, quinina e água tônica: o BYRRH. |
A seqüência de felicidades parecia ter sido encomendada num poço dos desejos, a começar pelo velouté de couve-flor, que merecia todo o veludo da descrição.
Em seguida o ceviche de robalo com gengibre. Delicioso. |
Escargots com manteiga de alho. |
A carne macia da rilette de coelho se desmanchava na boca. |
Passamos por alguns pratos melhores, outros nem tanto. O que verdadeiramente impressionou foi o prato que batiza a casa: as suculentas costeletas de cordeiro com batatas em lascas.
A sorte de achar um bistrô escondido e sem turistas, com bons vinhos, ambiente delicioso e serviço amigável, foi um daqueles momentos mágicos que só acontecem na Paris dos filmes, onde todos os desejos se realizam. Mas no fim entendi tudo: as costeletas, assim como nós, são desejos feitos de carne... e osso.
LES COTELETTES
www.lescotelettes.com
4, impasse Guéménée
75004 Paris
Tél : 01 42 72 08 45
4, impasse Guéménée
75004 Paris
Tél : 01 42 72 08 45
Não dá pra ler esse post com fome! É desesperador. Maravilhoso o texto, como sempre.
ResponderExcluirO post tá execelente!
ResponderExcluirE a comida, hein? Realmente dá vontade de comer depois de lê-lo. Parabéns.
Coisa de filme, mesmo! Mas que bom que, e pela positiva, a realidade consegue superar a ficção. Este endereço aqui eu vou anotar para quando voltar a Paris :)
ResponderExcluirJoão, para você é tãããão próximo! Aproveite!
ResponderExcluirAdorei a dica e ja anotei o endereço pra ir em novembro.
ResponderExcluirVerdade, Cris, nos dias que correm, Paris parece que já é logo ali, ao virar da esquina — quase :)
ResponderExcluirAs frases, me identifiquei demais! Adorei!
ResponderExcluirObrigada, Babi!
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