Texto elaborado especialmente
para o site Enoeventos, de Oscar Daudt.
“Is that normal?” – perguntei ao maître do
restaurante quando senti um tremor de terra e som de tambores que pareciam vir
dos deuses.
Decidido a nos tranquilizar, afirmava com um
sorriso quase sarcástico: “Normale!!!! Every fifty hours... Bummm! Etna parla!”
Assim começou minha noite no Hotel Gran
Timeo de Taormina, onde estava hospedada já há 2 dias e ansiava (até então) por
um pronunciamento do idolatrado vulcão. Era uma linda noite e, pela primeira
vez, à luz das minúsculas erupções que começavam, enxergava seu cume. Sem elas,
as nuvens que se condensam sobre a cratera
fazem o Etna parecer uma montanha qualquer.
O “bumbo” celeste que começara tímido e
ritmado, não cessava. Tentei me concentrar no jantar em vão. A voz grave, crescente
e assustadora daquela enorme massa de terra e o vai e vem de clientes que começava
a fotografar o espetáculo, me impediam de pensar em qualquer outra coisa.
Felizmente, fui arrancada do estado
apocalíptico em que me encontrava graças ao sorriso da linda jovem que proferia a
palavra mágica: “vinho?”.
Melão com maialino de Nebrodi |
A sommelière Veronica Bonelli, linda e
competente, despejou o Etna em meu copo, na forma do delicioso Serra della
Contessa, do Benanti. Era uma explosão de fruta e grafite com séculos de guarda
pela frente. Suspirei.
Ainda por suas mãos, provamos nas noites que
se seguiram o Duca Enrico 2006, da Duca di Salaparuta, primeira família a fazer
um bom Nero d’Avola, como explicava a didática Veronica. O vinho era equilibrado
e carnudo, com uma cereja madura que enchia a boca.
Também mergulhamos no delicioso vinho de
sobremesa Muffato della Sala 2006, do Antinori (Umbria), uma mistura de
sauvignon blanc, grechetto, traminer e riesling cuja melhor tradução seria uma untuosa torta
de pêras.
E ainda, o incrível Bukkuram 2006, pleno de café e chocolate nos
aromas e paladar, ganhando imediatamente o pódio de meu vinho de sobremesa
siciliano preferido. O produtor é o Marco de Bartoli e o vinho é fabricado com
a uva zibibbo (ou moscatel de Alexandria), na ilha de Pantelleria.
E, como se não bastasse, no último dia de
nossa estada, Veronica diz: “tenho uma surpresa!”. No Gran Timeo é preparada
uma bebida única, aos moldes do Limoncello, só que com amora. Como a fruta
nasce da planta do bicho da seda, o licor foi batizado de Licor de Seda. O
resultado é um néctar de amora com toque de anis e especiarias quase inacreditável,
dado que no preparo só entram açúcar e álcool.
Mas não nos deixemos divagar e voltemos ao
vulcão.
A mesma equipe de salão que afirmava
calmamente: “Normale!”, subitamente deixa as mesas, põe seus celulares para
fora sob os protestos do maître, e começa a filmar o espetáculo. Me ergui em
estado hipnótico e assisti, de camarote, à mais linda expressão da Natureza.
Com muita dificuldade, uma lente inadequada e
tremendo de emoção, consegui captar o momento em que o Etna se despedia.
Durante toda a erupção fiquei absolutamente estática enquanto o vulcão
reafirmava com violência minha absoluta insignificância.
Como uma guerreira que devora o coração do
inimigo para tomar-lhe as forças, sorvi vários goles do Etna em meu copo. Chorei.
No dia seguinte, li no jornal que a noite de
30 de julho de 2011 tinha sido palco de uma das grandes erupções do vulcão,
como há muito não se via.
Meninos eu vi, sorvi e vivi.
Cris Beltrão, mais uma vez parabéns pela sua sensibilidade, conhecimentos e estilo na redação dos belíssimos textos.
ResponderExcluirEu sou seu admirador.
Pedro E. de Felício
Que espetáculo!
ResponderExcluir