A tímida ante-sala não sugere o ambiente teatral que se desdobra em 2.300 metros quadrados distribuídos em salões de iluminação âmbar. Das mesas redondas aninhadas em oito frisas do mezanino pode-se admirar o balé da equipe de salão que distribui comida, vinho e competência.
Entrei com o cuidado que requer o ingresso numa casa que ostenta duas estrelas Michelin, especialmente porque carregava duas crianças a tiracolo que, por mais acostumadas que estejam às incursões gastronômicas dos pais, sempre podem se tornar a “variável-surpresa” da noite.
O ambiente é bem clássico, com pianista de verdade ao fundo fazendo revezamento com Tony Bennet na caixa de som. As extravagâncias como o piso com desenhos em mármore, o guarda-corpo de ferro ondulado e os pilares de inspiração romana feitos em mogno, foram rapidamente obscurecidas pela atenção que a equipe conferiu a meus filhos, o que me deixou absolutamente à vontade.
Começamos com um Franciacorta 2004, do Bruno Giacosa, que escoltou com elegância o couvert: caldo de galinha servido em potinho retrô de porcelana, um delicado patê e as inesquecíveis manteigas de Luigi Guffanti. A primeira, pura e doce e a segunda feita com lardo, alho e alecrim.
A ocasião era especial e já que a fome havia produzido um rombo no estômago, decidimos (por que não?) fazer outro no bolso.
A escolha do Barolo Bartolo Mascarello 89 fez com que a sommelière se materializasse na minha frente, com corpo, olhos e ouvidos atentos ao meu pedido. Cynthia apresentou e abriu lindamente a garrafa. Então, a surpresa: depois de provar o vinho de 96 pontos por Robert Parker e outros tantos dígitos no preço, afirma com o cenho franzido: “I´m so sorry, but this wine is not sound”, ou seja, o vinho não estava bom.
Passei alguns segundos admirando a postura da profissional com “P” maiúsculo. Poucos sabem o que é o prejuízo de um restaurateur, que com todo cuidado acondiciona seus vinhos, se estoca e paga antecipadamente pelas garrafas para simplesmente atestar, após anos de guarda, que alguns deles não estão bons.
A responsabilidade do sommelier é enorme e a pressão de encarar os patrões e lhe apresentar a conta do prejuízo é igualmente grande. A postura da sommelière e a tranqüilidade com que pôde recusar o vinho provam que a casa não tem o Grand Awards da revista Wine Spectator à toa. Apenas 75 restaurantes em todo o mundo podem afixar a plaquinha na parede. São casas que oferecem cartas com 1.500 vinhos ou mais, de produtores de altíssima categoria, safras premiadas, garrafas de todo o formato e preocupação com harmonização com o cardápio. Inconsolável mas ainda impecável, Cynthia sugere um Barolo Conterno 88, pleno de ervas, trufas e chocolate. Realmente divino.
Provamos carne cruda com parmigiano-reggiano (o legítimo) salsa de trufas e lascas do escultural cogumelo king oyster; vôngoles picantes com corações de alcachofra fritos e molho de farro com menta; orecchiette feito na casa com ragú de cordeiro cozido em baixa temperatura e salsa verde de folhas de mostarda; meu filho se deliciou com um simples risotto regado com balsâmico envelhecido; e ainda devoramos um cordeiro com alcaparras, azeitonas e molho de tatsoi (primo do bok choy e da mostarda) com alho.
O melhor ainda estava por vir. Posso testemunhar em juízo que não sou e nunca fui pessoa interessada em sobremesas. Fiz o pedido por obrigação profissional, preparada para não gostar e acabei me apaixonando pelas criações do Chef Pâtissier Brooks Headley. O chef não tem ensino formal, é ex-baterista de um grupo punk e formado em Literatura (!!). Escolhi um caramelo semifreddo com melão e cítricos e sbrisolona, torta de amêndoas típica de Mantova, acompanhada do vinho Marsala Marco de Bartoli 86, da Sicília. Uma das sobremesas mais delicadas e completas que já comi.
Para meus filhos pedi, naturalmente, uma seleção de chocolates. Com o risco de perder a guarda das crianças, me revelei uma mãe desequilibrada, disputando a impiedosas garfadas os pedaços de alegria. E a alegria tinha nome e sobrenome: o primeiro era um chocolate de Don Giuseppe Puglisi, de Modica, na Sicília. É feito na tradição asteca, em que o cacau é prensado a frio com grãos de açúcar para que não tenha seu sabor corrompido pelo método de aquecimento tradicional. O resultado é um produto rústico, quebradiço e divino. Em seguida, um chocolate ao sal doce extraído das salinas de Cervia (Romagna) do produtor L´Artigiano. De delicadeza e profundidade ímpares. O terceiro era um chocolate amargo incrivelmente rico, do fabricante Maglio, com 56% de cacau. E, por último, o untuoso e inesquecível chocolate com 60% de cacau e amêndoas de Avola, da casa La Molina, na Toscana.
O Del Posto é daqueles restaurantes que vão crescendo ao longo da refeição até ocupar o primeiro lugar no estômago dos clientes. Chegando lá, não há dúvida. O posto e as estrelas são mais que merecidos.
DEL POSTO
85, Tenth Avenue - Nova Iorque
Tel.: (212) 497.8090
Lindo detalhe dos doces sobre o ralador de queijos. Adorei. |
Oláá, que tal dar uma passadinha la no meu blog ?
ResponderExcluirBeijos!
www.booksandsoul.blogspot.com