quinta-feira, 5 de maio de 2011

Déjà vu panorâmico - Passage 53, Paris

Quem é da minha geração deve se lembrar do filme “Em Algum Lugar do Passado”, estrelado por Christopher Reeve e Jane Seymour. No filme, Richard, personagem de Reeve, após um complicado processo de retorno a uma vida anterior, é trazido de volta ao presente ao avistar uma moeda do futuro no bolso do seu paletó do passado. Complicado, eu sei...

O fato é que tive um momento “Richard” na última viagem a Paris.


Mergulhei no passado pela Passage des Panoramas, construída em 1800, a mais antiga passagem coberta da cidade. Foi a primeira a ter iluminação a gás e seu nome provinha de duas grandes torres na entrada que apresentavam pinturas panorâmicas com paisagens de grandes cidades. As torres se foram, mas algumas lojinhas resistiram ao tempo, como a de Stern, fundada em 1836, especializada em timbres, tipografia e gravuras. O local também é o paraíso dos filatelistas com belíssimas mostras de selos atuais e raros.

E lá estava eu, pensando em vidas anteriores não vividas, quando me lembrei da reserva feita na pequena porta de número 53.  


Entrei no restaurante ainda com o véu de dois séculos atrás diante dos olhos, namorando o lindo piso de ladrilho hidráulico, as paredes em tons pastéis, os bancos claros de couro e clarabóia ao fundo, que se empenhavam em iluminar o acanhado espaço de 20 lugares. 

Foi então que... Zzzzzzzapt! De 1800, fui arremessada à realidade da gastronomia mundial de hoje, não com uma moeda no bolso, mas com a imagem abaixo.

Tomo, o sommelier do futuro,
me tirou de "algum lugar do passado".

O Passage 53 vem causando furor em Paris graças à sua ascensão meteórica, ou melhor, estelar. Sua cozinha, formada basicamente por orientais, conquistou em apenas dois anos, duas cobiçadíssimas estrelas Michelin. E o herói não é National Kid; é Shinichi Sato, antigo chef do L´Astrance e do único restaurante japonês a receber uma estrela, o Aida.

Mais que mera “passagem”, é um verdadeiro túnel do tempo para a cozinha francesa que, sem perder a alma, ganha a delicadeza oriental, tradução do estilo de vida contemporâneo.

A fórmula é única, com pratos fixos que mudam diariamente. Pode-se escolher entre dois menus, com maior ou menor número de pratos, acompanhados ou não de indicações de vinho para cada etapa.

O Champagne Billecart-Saumon Rosé
brinda à saúde de Chagall.

Pra começar, manteigas Bordier:
a pura, semi-salgada
e a com pimenta d´Espelette, típica do País Basco.
Velouté de brócolis.
O creme preenchia todos os cantos da boca com sua textura
aveludada e vaporosa enquanto suas flores
dançavam delicadamente sobre a língua.

Ostras divinas do produtor David Hervé, de Marennes,
com fio de compota de maçã,
mousse de hadoque defumado e caviar.

Caranguejo fresco com sorbet de tomates-cereja
e telha de cacau, sobre bisque delicada com a discreta acidez do
limão siciliano. Com este prato já estava em outra dimensão.

No detalhe, o Mersault que escoltou os primeiros pratos.

O “Prato em Branco”, uma ode à elegância e simplicidade:
lulas com lascas de couve-flor, crua e em purê.
Segundo minha companheira de mesa, um dos
melhores pratos da seqüência.
Os lagostins com creme de pimentão vermelho, mousse perfumada com laranja e cubinhos de funcho foram, infelizmente, mais rapidamente devorados que fotografados.

Bar de Ligne, o primo do robalo, com legumes da estação
ervilhas, rabanete cru e cozido, couve romanesco,
funcho selvagem e molho de algas.

Cebola suave de Cévennes assada,
entremeada com presunto pata negra e flor de sal.
Simples e espetacular.
E tomei mais um vinho de Tomo.
Leitãozinho com aspargos verdes, cebolinha jovem,
creme de raiz forte e molho de frutas
com raspas de cítricos e toque de soja.
Salivou?

Sela de cordeiro com couve de Bruxelas,
creme de salsa e manteiga de anchovas perfumada com alecrim.
A boca, novamente, foi bem mais rápida do que a lente.
Em seguida, as inesquecíveis sobremesas
do chef
 pâtissier Hiroshi Mitsutake
Declinações em ruibarbo:
em gelatina, em sorbet e picadinho.

Citronela e morangos com crocante de amêndoas.
Uma das poesias da minha vida.
Tarte tatin com sorvete de mascarpone.
Chocolate branco com maracujá,
e suave perfume de café e banana
Chocolate amargo com caramelo e beurre-salé.
O Ocidente, muito bem representado por Jonathan,
irmão jovem e competente do dono, Guillaume Guedj,
na coordenação do salão. A seriedade do rapaz e o
orgulho da casa eram evidentes.


A refeição que preencheu minha tarde, parecia não caber na cozinha minúscula que avistei na visita aos banheiros.

Como os pratos mudam freqüentemente, você pode ter a sorte de comer ainda melhor do que eu. Acho difícil. Pode tentar ainda conseguir um time de vinhos mais afinado. Improvável. Mas impossível mesmo é ter harmonização melhor que a minha, garantida com a presença de grandes amigas, companheiras de sabores, suspiros e brindes, e passageiras indispensáveis nessa deliciosa viagem no tempo.

PASSAGE 53
53, Passage des Panoramas
Paris
Tel: 01 42 33 04 35
aberto até as 22 hs
fechado aos domingos e segundas e também em fevereiro e agosto.

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