Quem é da minha geração deve se lembrar do filme “Em Algum Lugar do Passado”, estrelado por Christopher Reeve e Jane Seymour. No filme, Richard, personagem de Reeve, após um complicado processo de retorno a uma vida anterior, é trazido de volta ao presente ao avistar uma moeda do futuro no bolso do seu paletó do passado. Complicado, eu sei...
O fato é que tive um momento “Richard” na última viagem a Paris.
Mergulhei no passado pela Passage des Panoramas, construída em 1800, a mais antiga passagem coberta da cidade. Foi a primeira a ter iluminação a gás e seu nome provinha de duas grandes torres na entrada que apresentavam pinturas panorâmicas com paisagens de grandes cidades. As torres se foram, mas algumas lojinhas resistiram ao tempo, como a de Stern, fundada em 1836, especializada em timbres, tipografia e gravuras. O local também é o paraíso dos filatelistas com belíssimas mostras de selos atuais e raros.
E lá estava eu, pensando em vidas anteriores não vividas, quando me lembrei da reserva feita na pequena porta de número 53.
Entrei no restaurante ainda com o véu de dois séculos atrás diante dos olhos, namorando o lindo piso de ladrilho hidráulico, as paredes em tons pastéis, os bancos claros de couro e clarabóia ao fundo, que se empenhavam em iluminar o acanhado espaço de 20 lugares.
Foi então que... Zzzzzzzapt! De 1800, fui arremessada à realidade da gastronomia mundial de hoje, não com uma moeda no bolso, mas com a imagem abaixo.
Tomo, o sommelier do futuro, me tirou de "algum lugar do passado". |
O Passage 53 vem causando furor em Paris graças à sua ascensão meteórica, ou melhor, estelar. Sua cozinha, formada basicamente por orientais, conquistou em apenas dois anos, duas cobiçadíssimas estrelas Michelin. E o herói não é National Kid; é Shinichi Sato, antigo chef do L´Astrance e do único restaurante japonês a receber uma estrela, o Aida.
Mais que mera “passagem”, é um verdadeiro túnel do tempo para a cozinha francesa que, sem perder a alma, ganha a delicadeza oriental, tradução do estilo de vida contemporâneo.
A fórmula é única, com pratos fixos que mudam diariamente. Pode-se escolher entre dois menus, com maior ou menor número de pratos, acompanhados ou não de indicações de vinho para cada etapa.
O Champagne Billecart-Saumon Rosé brinda à saúde de Chagall. |
Pra começar, manteigas Bordier: a pura, semi-salgada e a com pimenta d´Espelette, típica do País Basco. |
Velouté de brócolis. O creme preenchia todos os cantos da boca com sua textura aveludada e vaporosa enquanto suas flores dançavam delicadamente sobre a língua. |
Ostras divinas do produtor David Hervé, de Marennes, com fio de compota de maçã, mousse de hadoque defumado e caviar. |
Caranguejo fresco com sorbet de tomates-cereja e telha de cacau, sobre bisque delicada com a discreta acidez do limão siciliano. Com este prato já estava em outra dimensão. |
No detalhe, o Mersault que escoltou os primeiros pratos. |
O “Prato em Branco”, uma ode à elegância e simplicidade: lulas com lascas de couve-flor, crua e em purê. Segundo minha companheira de mesa, um dos melhores pratos da seqüência. |
Os lagostins com creme de pimentão vermelho, mousse perfumada com laranja e cubinhos de funcho foram, infelizmente, mais rapidamente devorados que fotografados.
Bar de Ligne, o primo do robalo, com legumes da estação ervilhas, rabanete cru e cozido, couve romanesco, funcho selvagem e molho de algas. |
Cebola suave de Cévennes assada, entremeada com presunto pata negra e flor de sal. Simples e espetacular. |
E tomei mais um vinho de Tomo. |
Leitãozinho com aspargos verdes, cebolinha jovem, creme de raiz forte e molho de frutas com raspas de cítricos e toque de soja. Salivou? |
Sela de cordeiro com couve de Bruxelas, creme de salsa e manteiga de anchovas perfumada com alecrim. A boca, novamente, foi bem mais rápida do que a lente. |
Em seguida, as inesquecíveis sobremesas do chef pâtissier Hiroshi Mitsutake |
Declinações em ruibarbo: em gelatina, em sorbet e picadinho. |
Citronela e morangos com crocante de amêndoas. Uma das poesias da minha vida. |
Tarte tatin com sorvete de mascarpone. |
Chocolate branco com maracujá, e suave perfume de café e banana |
Chocolate amargo com caramelo e beurre-salé. |
O Ocidente, muito bem representado por Jonathan, irmão jovem e competente do dono, Guillaume Guedj, na coordenação do salão. A seriedade do rapaz e o orgulho da casa eram evidentes. |
A refeição que preencheu minha tarde, parecia não caber na cozinha minúscula que avistei na visita aos banheiros.
Como os pratos mudam freqüentemente, você pode ter a sorte de comer ainda melhor do que eu. Acho difícil. Pode tentar ainda conseguir um time de vinhos mais afinado. Improvável. Mas impossível mesmo é ter harmonização melhor que a minha, garantida com a presença de grandes amigas, companheiras de sabores, suspiros e brindes, e passageiras indispensáveis nessa deliciosa viagem no tempo.
PASSAGE 53
53, Passage des Panoramas
Paris
Tel: 01 42 33 04 35
aberto até as 22 hs
fechado aos domingos e segundas e também em fevereiro e agosto.
Fiquei com agua na boca.
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