sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Madeira em fogo baixo - Ilha da Madeira, Portugal


(publicada na Revista Eatin'Out)

Dizem que Madeira é a ilha onde a Primavera passa o Inverno. A comprovação do ditado se dá dos céus, a minutos de aterrar, quando da janela do avião se avista a infinidade de frutos e flores que eclodem do fértil solo vulcânico. A bússola que habita meu estômago guiou meus passos curiosos. Aos que não acreditam que a gula produza bons guias turísticos, deixo minha exposição de motivos na forma dos pratos típicos da Ilha e onde abocanhá-los:


ESPECIALIDADES MADEIRENSES:

"As uvas de Terrantez, não as comam, nem as dês. 
Para o vinho Deus as fez." O ditado local foi feito pra mim:
vinho maravilhoso pra sorver gota a gota, até o fim da vida.

VINHO MADEIRA: a exploração começou pelo centro de Funchal, capital da Madeira (assim batizada por conta do funcho que crescia na zona). Pra quem não tem tempo de visitar vinícolas mas quer aprender sobre o vinho, recomendo um tour na OLD BLANDY’S WINE LODGE, construção de 1840 bem no centro da cidade. A Blandy’s é uma das marcas mais tradicionais de vinho Madeira e lá se pode visitar um lagar do séc.17 e aprender sobre o processo de fabricação e suas uvas. O aprendiz sai cheio de sede, informações e garrafas.

Bolo do caco com manteiga
de alho e ervas.

BOLO DO CACO: Não, não é um bolo. É um pão de origem árabe que deve seu batismo ao preparo: do bolo de massa se faz um disco que é cozido sobre um "caco" de telha (ou pedra) deitado sobre a brasa ardente. Pode ser encontrado em todo canto, dada a sua genial simplicidade. A versão acima veio lambuzada com manteiga de alho e ervas.

QUEIJO DE SANTO ANTÓNIO DA SERRA (ou de “Santo Serra”): requeijão de corte fabricado em Santo António da Serra, a nordeste de Funchal, cujo sabor lembra o nosso Catupiry, mas tem consistência mais firme e quebradiça. No restaurante BRISA DO MAR do hotel Reid’s Palace, provei sua melhor versão, escoltada por redução de vinho Madeira e presunto de Parma. Nos quartos do hotel também toma a forma de uma queijadinha inesquecível, preparação muito comum na Ilha.
queijo de Santo António da Serra

DOCES DE CASTANHA: a subida pelo vale do Curral das Freiras até o miradouro de Eira do Serrado é um passeio deslumbrante.  Do alto se avista o “curral”, refúgio das freiras de Santa Clara ao ataque dos piratas. Imaginá-las caminhando pelas ladeiras íngremes, de até 1000m de altura, carregadas de suprimentos é absolutamente inacreditável. Nas idílicas trilhas do miradouro avistei uma infinidade de castanheiras, cujos frutos estão presentes em qualquer taberna local na forma de bolos, doces e compotas.

Espetada Madeirense
ESPETADA MADEIRENSE: O primeiro registro escrito em português da existência de lobos-marinhos deu-se quando os navegadores Zarco e Tristão Vaz Teixeira chegaram à Ilha da Madeira. Os animais, até então desconhecidos, foram ali batizados, e a baía onde se concentravam, ao sul da Ilha, ficou conhecida como "cama de lobos". Hoje, a belíssima Câmara de Lobos. Pintada por Winston Churchill no inverno de 1950, a costa entre Funchal e Calheta é dominada por escarpas imponentes e enseadas estreitas e profundas, onde correntes de água das montanhas desembocam no mar. Depois de explorar o centro histórico do povoado, subi a estrada sinuosa em direção à ADEGA DO ESTREITO, restaurante conhecido por ter a melhor versão da ESPETADA MADEIRENSE:  nacos generosos de carne passados no alho e espetados num pau de louro, antes de serem levados à brasa.

Peixe-Espada Preto
PEIXE-ESPADA PRETO: O peixe, que se assemelha a uma enguia, é importantíssimo para a economia madeirense e representa quase 50% das capturas. Sua carne é branca, saborosa e se desfaz na boca. Ao contrário de outras espécies que ficam ou na superfície ou no fundo do mar, o espada-preto tem um hábito incomum: durante a noite ou em dias de céu escuro sai de profundidades abissais e ruma em direção à superfície, como que fugindo do frio intenso e da extrema escuridão. A descompressão experimentada ao subir faz com que projete seu estômago boca afora. Ui!

Lapas. Par perfeito da cerveja.
LAPAS: as lapas são os moluscos mais consumidos na Madeira. São grelhados na própria concha até que se desprendam dela, e temperados com limão e sal. Em Porto Moniz, no extremo noroeste da ilha, devorei as conchinhas no restaurante ORCA, acompanhadas de CERVEJA CORAL, a lager de produção local. Do restaurante se avista um conjunto de piscinas naturais protegidas por negras rochas de lava, onde se nada ao abrigo das furiosas ondas do Atlântico.

PONCHA: Nos engenhos da Calheta, a sudoeste da Ilha, se pode visitar um dos 2 moinhos de cana-de-açúcar ainda em funcionamento e testemunhar, na Primavera, a cana transformar-se em melado e aguardente, principal ingrediente da “poncha”. Tão popular para os madeirenses quanto a caipirinha é para nós, a bebida originária da Índia é feita com aguardente, mel, açúcar e suco de limão (galego ou siciliano). Cada região da Madeira tem sua versão, com frutas e proporções diferentes.

BANANA e MILHO: Ao percorrer a Ilha, de norte a sul e de leste a oeste, as plantações denunciam os ingredientes mais presentes nas mesas madeirenses. O milho frito (polenta firme em cubos) ou a maçaroca (milho doce servido na espiga) são par tradicional da  Espetada Madeirense e outras preparações de carne. Já a banana, frita ou assada, escolta a maioria dos pratos de peixe.

RESTAURANTES/MERCADOS:

Mercado dos Lavradores, em Funchal
MERCADO DOS LAVRADORES [Funchal]: construído em estilo Art-Déco, com um amplo pátio central e várias galerias que têm de tudo: desde lojas de vinhos a vendedoras de flores em trajes típicos madeirenses, bordadeiras e um maravilhoso mercado de peixes. Anonas, tabaibos, mangas-ananás e outros frutos locais são distribuídos em nacos aos passantes. O mercado é um excelente resumo da produção agrícola da Ilha. Considero indispensável a visita.

Vieiras gorduchas espanholas no
Il Gallo d'Oro.
IL GALLO D’ORO [Funchal]: A única estrela Michelin da Ilha da Madeira pode não ser tão radiante quanto as do continente, mas vale indiscutivelmente a visita. A proposta do chef Benoît Sinthon é arrojada. Entre os inúmeros pratos que comi destaco a delicada entrada de lavagante com gaspacho em duas versões (esferificado e em gelatina), flor de salsa, aipo em juliana e tapenade, e ainda um risoto de vieiras espanholas - que chegam fresquíssimas no fim da tarde para o turno do jantar -  com cogumelos setas e esferificação de parmigiano. O adorável sommelier Sérgio Marques, que tem mais de 1.000 garrafas de vinho Madeira em sua casa,  distribui alegria na forma de harmonizações perfeitas. Reservar a varanda, disputadíssima, é fundamental.
Estrada Monumental 147, Funchal
+351 291 707 700
Das 19:00hs às 22:00. Aos domingos abre também das 08:00hs às 10:30hs.

BRISA DO MAR [Funchal]: Lindo restaurante de cozinha regional com vista de tirar o fôlego no histórico Hotel Reid’s Palace. Construído em 1891, recebeu a visita de vários personagens ilustres, incluindo a de Bernard Shaw, Churchill e Gregory Peck. Deliciosos aspargos locais com sabayon de verdelho e sopa de lagosta e camarões em aguardente de cana local. Traje elegante (homens de paletó).
Aberto apenas de junho a setembro.
Estrada Monumental 139, Funchal
+351 291 71 71 71
Diariamente, das 19hs às 22:30

Ainda lembro da adorável
equipe do Dona Amélia que prepara
o Espada Preto no salão.
DONA AMÉLIA [Funchal]: Uma antiga residência do séc.19 de onde se avista do segundo andar, junto à janela, os telhados das casinhas brancas de Funchal. Poesia pura. Fundamental pedir o Espada-Preto flambé à moda de Pedro I, preparado no meio do salão pela cordialíssima equipe. Carta simples e cozinha aberta. Adorei.
[não tem site]
Rua Imperatriz D. Amélia 83, Funchal
+351 291 225 784
+351 291 222 504
aberto diariamente.

UVA [Funchal]: O restaurante fica no topo do Hotel The Vine e vale, principalmente, pela belíssima vista de Funchal e o ambiente cool, com cocoons flutuantes de cores mutantes na piscina. A cozinha conta com a consultoria do chef tri-estrelado de Estrasburgo Antoine Westermann. Apesar disso, a execução tem seus desacertos. Aconselho o cardápio de “sabores da Estação”, com ingredientes em seu ápice.

Hotel The Vine – Rua dos Aranhas 27, Funchal
+351 291 009 000
Horário de Inverno: 19:00h às 22:00h | Horário de Verão: 19:30h às 22:30h

Vista do restaurante Vila Cipriani.
Preciso dizer mais?
VILA CIPRIANI [Funchal]: Uma das imagens mais emocionantes da viagem foi testemunhar daquela varanda os mil tons de azul e verde do mar que explodia sobre as rochas, ao cair da tarde. Pratos com acento italiano como pasta e fagioli e pennete com tomates-cereja, manjericão e ricota. Traje casual chique.
Estrada Monumental 139, Funchal
+351 291 71 71 71
Diariamente, das 19hs às 22:30

XÔPANA [Funchal]: restaurante contemporâneo dentro de um Resort SPA. A música é cool e a cozinha sem pretensões busca a leveza como convém aos hóspedes. Trouxinha de queijo de cabra com maçã Granny Smith e frutos secos com redução de vinho tinto; filé de dourado com arroz basmati de coentros e molho de manga. O ambiente tem pé direito altíssimo, toque oriental e muita madeira, com amplos janelões que dão para a piscina.
No Hotel Choupana Hills Resort
Travessa do Largo da Choupana, Funchal
+351 291 206 020
+351 291 206 021


ADEGA DA QUINTA [Câmara de Lobos]: A casa de pedra no alto da montanha é circundada pelo adorável jardim da Estalagem do Estreito e também tem a vista privilegiada da vila pesqueira de Câmara de Lobos. Para uma grande farra em torno da Espetada Madeirense, com polenta, banana frita e batata doce com melado de cana.
Na Estalagem Quinta do Estreito
Quita do Estreito, Rua José Joaquim da Costa
+351 291 910 530
+351 291 910 549


ORCA [Porto Moniz]: Um local despojadíssimo em que se devora lapas e polvos grelhados, sardinhas frescas e peixes com legumes e arroz. Carta enxuta, preços idem.
[não tem site]
Rua Engenheiro Americo, Porto Moniz, Portugal
+351 291 850 000
+351 291 850 019

8 comentários:

  1. Olá, Cristiana. Sou cunhado da Silvia Jardim, que me passou o link. Excelente a matéria. Dá vontade de voltar à Madeira agora mesmo e percorrer o circuito. A propósito, não vou ao Bazzar há tempos. Qualquer hora dou uma passada lá, com muito gosto. Parabéns pelo blog e pelo Bazzar.
    Eduardo Siffert Pereira de Souza

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    1. Que bom que gostou da "viagem", Eduardo! Não deixe de me avisar quando for ao Bazzar! Obrigada pelos elogios carinhosos.

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  2. Parabéns pela sua emoção passada nas suas palavras que retratam com muita fidedignidade tudo que a Madeira realmente trás aos seus visitantes(adorei a leitura). Para mim que sou Madeirense e moro no Brasil há 38 anos, ler seu blog foi como uma viagem de saudades da minha terra e que reforça a vontade de sempre ir lá para apreciar as paisagens, as estações do ano e os sabores da terra. Passei o link para varios parentes na Ilha da Madeira.

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    1. Obrigada, Marco! Que felicidade ler isso. Me emocionei. Sua terra é encantadora e só me inspirou e trouxe alegrias. Muito, muito obrigada.

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  3. Lindo blog. Você é uma excelente escritora. Parabéns!

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  4. Eu gostei do seu blog. Será uma honra em tê-la no nosso blog.

    A ARTE DE NEWTON AVELINO

    http://www.aartedenewtonaavelino.com

    A ARTE E A CULTURA BRASILEIRA

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  5. Adorei conhecer um pouco de si através do seu blog.
    Convido-a para vir a Portugal Continental cidade do Porto, onde lhe poderei mostrar muitos locais interessantes, para visitar, degustar, relaxar e a noite Portuense que está em alta. Desde já é uma convidade de honra no nosso recente blog

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    1. Olá Ana, adoraria voltar ao Porto, onde tenho vários amigos e estive várias vezes antes de lançar o blog. Sem dúvida a noite está em alta e pretendo voltar no ano que vem. Obrigada pela visita. Visitarei seu blog!

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