É bom que se diga logo: a verdade é que
arrumei um amante.
Desde bem jovem me casei com o vinho. Foi
um casamento arranjado, é fato. Com meus 12 anos de idade, meu pai, que
colecionava bons rótulos, já me incentivava a sentir os aromas daquele líquido
mágico e, com um interesse encorajador, escutava atentamente a minha opinião.
Em dia de festa me permitia tomar um gole para educar o paladar, o que me enchia de alegria e emprestava
responsabilidade às degustações futuras.
Assim cresci, estudei, e bebi todos os
rótulos possíveis e imagináveis nos últimos 25 anos. Fora uma breve fase
cervejeira na adolescência, meu amor pelo vinho se consolidou e meu respeito
pela bebida é absolutamente ímpar.
Um belo dia, no meu aniversário, fui apresentada a meu futuro amante. Meu interesse pela cerveja como produto para os restaurantes era
crescente e notório. Talvez numa sessão de análise ficasse fácil descobrir que já havia
me apaixonado, sem que me apercebesse.
Fui presenteada com uma
dúzia de cervejas artesanais do Brasil e do Mundo. De início não sabia em que
ocasião toma-las. Até que, numa tarde tranqüila e nada especial, sorvi uma Trappistes Rochefort 10. Realmente não esperava... Era quente, impactante, crescente na boca. Bang! Mergulhei num universo
absolutamente cativante de novos aromas, sabores, texturas e corpo.
Depois de montar a carta de cervejas artesanais do Bazzar, me
pegava culpada a cada gole que tomava. Olhava sobre os ombros,
encurvada, sentindo que traíra o vinho e todos os anos de estudo, degustação e
comprometimento. Mas ao contrário do relacionamento já estabelecido e maduro
que tínhamos, a cerveja me dava algo diferente, descomplicado, cheio de
aventura e sabor. A cerveja me permitia passear com currys, ovos e outros
ingredientes, sem qualquer constrangimento. Eu precisava daquilo.
Hoje decidi abrir o jogo: é cerveja no
almoço e vinho no jantar. O vinho não reclama; faz vista grossa e dá espaço
para minhas aventuras, torcendo para que a cerveja não vença, também, o segundo
turno. Hoje tenho a firme convicção de
que há espaço para ambos em minha sede.
Na semana passada, um uísque puro malte me
olhou de soslaio... mas essa é outra estória.
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