As razões para se enamorar são várias; dentre elas, a Literatura. Lá nasceu Borges, um de meus autores prediletos. Conhecer sua obra é passo fundamental para bailar pela cidade. Na vida das ruas, Buenos Aires não é cenário; é personagem. E perdoa, com delicadeza, o “portunhol” distribuído pelos brasileiros que recheiam a cidade.
Palermo, o bairro em que nasceu o autor, é o coração artístico e cultural da cidade. Jovens designers, ótimas livrarias, inúmeras galerias de arte e alguns dos melhores restaurantes ficam por lá.
Um dia ideal em Palermo começaria num domingo. Tomaria um brunch no Olsen ou no “ultra-cool” Bar 6 e depois cultivaria uma certa preguiça na Praça Serrano (Cortázar). Percorreria a deliciosa Honduras, sem esquecer de parar na Papelera Palermo para engordar a coleção de cadernos de viagens. Atravessaria a rua e devoraria os livros da Prometeo, ao som dos CD´s da Miles Discos. Saborearia cada rua, sem pressa. Após um almoço na varanda do Cluny, passaria uma tarde regada a café na livraria Eterna Cadencia com direito a alfajor “Santafecino” de Borges, discretamente retirado da bolsa. Para aqueles que me equivalem em estômago, um drink no animadíssimo Bar Uriarte seria indispensável antes de um delicioso jantar no Casa Cruz.
A Recoleta é elegante; um clássico. Suas amplas avenidas, lojas de grife e arquitetura européia constituem o cantinho mais parisiense da América do Sul. Para completar o clima, separe uma tarde para a L´Orangerie do Hotel Alvear. No jardim de inverno da histórica mansão, tome a melhor seleção de chás da cidade acompanhada de música clássica. A especialista Inés Berton cria “blends” de chás verdes, pretos e fermentados. O lugar, por si só, é uma viagem. Outro canto adorável no bairro fica na antiga passagem dos Correios. É a dobradinha do Sirop. De um lado da rua, oferece pratos, chás, tapas e lanches; do outro, a versão alinhada, e igualmente adorável, apresenta pratos mais elaborados e carta de vinhos completa.
O lado Cult do bairro se apresenta na abarrotada Pizzaria El Cuartito, fenômeno kitsch com filas intermináveis e inúmeras fotos, camisas de time, ventiladores e nostalgia pelas paredes. A busca é pela pizza de massa grossa, cheia de queijo, como as de antigamente. Lá o tempo não passou. A cozinha barulhenta e aparente despeja bandejas de inox em produção surpreendente. Todo dia é dia, toda hora é hora.
Puerto Madero também me encanta. Tem um quê de Nova Iorque e Chicago, com um sotaque singular. O antigo porto revitalizado agora fervilha com executivos e atrai investimentos de peso, como o grande complexo do grupo Faena. Lá, todos os caminhos parecem levar à CARNE! A sempre procurada Cabaña Las Lilas é o paraíso dos brasileiros em B.A. Para quem quer ver a renomada arquitetura do Hotel, mas não pagar sua diária, a opção é almoço ou café-da-manhã no EL MERCADO. Phillipe Starck conseguiu traduzir o clima porteño num salão extremamente original.
A busca pelas Obras Completas de Borges pode começar pela belíssima El Ateneo, livraria instalada num antigo teatro no Barrio Norte e continuar, quem sabe, pela Ávila, instalada na Rua Bolívar, no Centro, desde o século XVIII. Na Avenida Corrientes, que já foi o local de maior concentração de livrarias do continente, há inúmeras opções, para todos os gostos e bolsos.
E os vinhos? Ah, os vinhos! Eis aí um capítulo à parte. Os 30 litros per capita consumidos anualmente por lá fazem nossos 2% parecerem um tanto tímidos. Nossa cultura de vinhos, ainda incipiente, é recheada de formalismos e prosopopéias. O porteño trata o vinho com naturalidade. Com raras exceções, as adegas mais cotadas têm lareira, música alta e sommeliers de cabelos compridos e tênis. Imperdível é o Gran Bar Danzón, programa perfeito depois de um dia no Centro, com visita à Plaza de Mayo e sua Casa Rosada (mais rosada do que nunca!) e de um ataque aos “emparedados” (sanduíches) do tradicional Café Tortoni.
Tenho várias razões para gostar da cidade. Como que visitando uma velha amiga, me sinto em casa, apesar de nossas marcantes diferenças culturais. E, por falar em cultura, ainda que a obra de Tarsila do Amaral não tivesse um nome capaz de encantar qualquer glutão, Abaporu, que em tupi-guarani significa “homem que come”, seria parada obrigatória. Quem a exibe é o imperdível Malba (Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires), que tem exposições temporárias e permanentes de altíssimo nível, além de ser um belo exemplar de arquitetura contemporânea.
Num sentido menos poético do que o atribuído por Borges, re-afirmo: “as ruas de Buenos Aires já são minhas entranhas”. Isso porque comi e bebi quase todos os seus bairros.
Meu gosto pra viagens é assim... vai da empadinha ao foie gras, do kitsch ao chique, do “cult” ao “pop”, da arquitetura à paisagem. Para famintos como eu, Buenos Aires é um cardápio completo!
PUBLICADO NA REVISTA LONELY PLANET, EM SETEMBRO DE 2009
Também amo Buenos Aires! Da empanada à alta gastronomia...
ResponderExcluirCristiana,salve. Alertado pela sua irmã Mariazinha para a qualidade do blog, dou uma passada , pelo visto darei várias, para agradecer. Pelas dicas ,anotadas, e a nítida intenção ( ou eu estou completamente enganado, o que é sempre possível) de trazer esse papo de comida de volta à realidade. Humanizá-lo. Sim, pois noto nos gastrófilos ( se é que isso existe ) , nos amantes do bem comer, bem beber, bem-estar enfim, uma nítida tendência,inclinação, a transformar o maravilhoso mundo da boa comida e da boa bebida em algo inalcançável para os simples mortais. Como apaixonado por botequins, tascas, bistrots, pubs, cantine e outros restaurantes populares, onde nasce a grande gastronomia, me recuso a aceitar isso.
ResponderExcluirParabéns pois, pelas boas informações e o estilo relax e classudo de escrever.
Das minhas andanças por Buenos Aires, trago mais algumas dicas : Empanadas Sanjuaninas ( se não me engano na calle Posadas) , Sucre ( modernoso do pessoal do simpaticíssimo Uriarte, mas decente)e La Brigada ( ótimas carnes em San Telmo..
Oi, Lins!!! Que prazer, que orgulho! Esse texto me foi "encomendado" pela Lonely Planet e tinha número máximo de caracteres (coisa impossível para uma pessoa gulosa como eu!). Tive que engolir (pois!) o Sucre e o Uriarte que amo de paixão para poder cobrir todos os temas. Já o La Brigada não conheço! Vou deixar a suína pro lado e vou lá ver. obrigada!
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