quarta-feira, 7 de outubro de 2009

AS PAZES COM HÉLÈNE - Hélène Darroze, Paris

Em 2007 escrevi este texto...

Compota de cebolas da Hélène Darroze:


Um dos citados no novo Guia Relais & Chateaux é o Restaurante da Hélène Darroze. Fui conferir. Como a mulher é badalada e reservei no último minuto, consegui um horário daqueles absurdos, às 10:50h da noite de uma quinta-feira. Fui toda animadinha ao famoso restaurante na charmosa Rue D´Assas.

Entramos pela ante-sala. Estranha. Lá estavam o recepcionista sentado numa mesa de portaria, 2 telefones, um fax, fios pendurados, um piso frio de banheiro e um cachorro (é claro). Poderiam esperar alguns instantes? Estamos arrumando sua mesa. Sentamos.

Passados quinze minutos, resolvemos pedir um Champagne. Iam só arrumar a mesa, mas reclamar pra quê? Afinal estamos de férias! Em Paris!! Na Hélène!!! Passei os olhos pela estante preta, com os produtos lindinhos, os livros, os patês, as compotas. Fiz tin-tin, bebi um golinho empertigado. Tinha outro casal esperando.

Passados vinte e cinco minutos, achei que devíamos reclamar. Ai, que saco! Reclamar em francês! Em Paris! Na Hélène!!??? Será que vai demorar? Sem graça. Não, senhora. Um minutinho que já estão acabando de arrumar sua mesa! Ah, obrigada! Cochichos, sorrisos desconcertados.

Olhei pro casal, já meio troncho. Sorri. Estiquei o pé, já sob o efeito das borbulhas. O olhar longe. Da próxima vez compro um sapato mais confortável. Ir pra lugar arrumado em Paris dá nisso... a gente anda, anda, anda e o pé fica cheio de calos. Acordei do meu devaneio empolgada. Sorri e fiz tin-tin de novo! Que demora, que nada! Paris! Hélène!!

Passados quarenta minutos, pensei: vai dar meia-noite... e eu é que não vou comer pouco! Vim pra Hélène pra comer entrada, principal e sobremesa. Dá pra ver o salão? Não dá. Tem uma cortina. Vou ao banheiro espiar. Tá lá a cortina. Sorrisos embaraçados no caminho.

Vai demorar? Houve um probleminha com sua mesa. Pensei. Probleminha? Tudo bem. Sem graça. O recepcionista, com um sorriso cada vez mais amarelo, ajeitava pela décima quinta vez o papel do fax enquanto caprichava no estilo eficiente. O cachorro e eu assistíamos. Devia ter feito um lanchinho às sete. A sobremesa consigo comer lá pras duas da manhã.

Olhei pro relógio. Cinqüenta e cinco minutos! Ainda arrumando a mesa? Me desculpe, senhora, mas as pessoas não querem se levantar. E acho que vai demorar...

É meia-noite. Pensei. Me chatear em francês? Que saco! É melhor ficar feliz em francês. Isso eu já treinei. Infelizmente não dá pra ficar. Ah, que pena! Tome uma compota. À la prochaine!

É meia-noite. Tomara que eu não pise no rabo do cachorro na saída. Pulei com cuidado. Olha a compota! Ventinho fresco. Tristes? Um pouco. Mas que nada! É Paris! Sem Hélène...
***
Agora, em 2009, a segunda parte...
Pois bem, o clima andava esquisito... Não conseguia reatar com Hélène. Enfim, apaguei a compota da memória e fiz uma reserva.

Reformaram a entrada. O cachorro e a luz fria já não moravam por lá. Ao contrário, fomos rapidamente encaminhados ao salão de cima que, apesar de muito agradável, não encheu.

Com coragem me lancei ao jantar. A única opção disponível era o “Menu Découverte”: 6 pratos e 2 sobremesas para um estômago, até então, nada covarde. A Marselhesa já tocava na minha cabeça (Aux armes citoyens!!! Formez vos bataillons!!! Marchons! Marchons!)

Um carrinho de espumantes e champagnes já prometia me fazer esquecer a conta.

Finíssimas fatias de presunto cru foram cortadas na nossa frente com uma engenhoca adorável. O presunto é do sudoeste da França e a manteiga, nada menos que a célebre beurre Bordier aromatizada com cereja amarga.

A única opção é o “Menu Découverte”. Começamos com uma lagosta azul na própria casca com feijões brancos e azeitonas. Em seguida, um foie gras com o (verdadeiro) vinagre balsâmico e figos frescos com geléia e especiarias. Depois, um simples prato que acabou sendo o meu preferido: arroz com lulas em sua tinta sob untuosa espuma de parmesão. Ao lado, molejas em sopa de alcachofras, peixe defumado e gengibre.

Não, não acabou... Já lançava olhares suplicantes à sommelière tentando fazê-la entender que nem uma gota de vinho a mais me desceria goela abaixo daquele momento em diante. Aliás, todos os pratos são acompanhados por uma ótima seleção de vinhos em taça.

Marchons! Marchons! Um peixe com purê de funcho flor de sal e pesto de ervas me aguardava. O próximo prato acabou comigo. Fosse somente a carne de porco macia, vá lá, mas as batatas, os cogumelos cèpes e um pequeno bolinho com ervas que guardava no interior o suco da carne eram um adversário por demais numeroso.

Já reclinada a 45 graus como se o gesto pudesse ampliar a área do estômago, enfrentei bravamente as deliciosas sobremesas de frutas do bosque com sorvete de fromage Blanc e a mousse de chocolate aerada com avelãs e toque de café... absolutamente divina! O chocolate era de altíssima qualidade.

Fiz as pazes com Hélène, mas troquei a compota de outrora por uma leve indigestão. Não do tipo que não valha a pena, mas dificilmente repetiria este exagero. O cardápio muda diariamente, mas Hélène está sempre lá. Ainda bem.

Nota pra mim mesma: Me pergunto se este “esquema” de pratos pré-escolhidos seja assim tão bom. Por mais que gostemos de Hélène, queremos mesmo é nos encontrar com a experiência gastronômica anterior. Nota para o analista: talvez precise aumentar minha confiança em terceiros; talvez precise começar arrumando um analista.

Hélène Darroze
www.helenedarroze.com
4, Rue d´Assas 75006 Paris
1 42 22 00 11

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