segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

"As fábulas de York" - Gilt Restaurant, no New York Palace Hotel [fechado em novembro de 2012]


Era uma vez uma jovem donzela que se viu diante de um lindo palácio, num reino distante.

[Nota da Autora] A verdade é que a protagonista não era assim tão jovem tampouco donzela, e o Palácio em questão podia ser alcançado pela linha 6 do metrô local. Mas não nos percamos...

Numa noite chuvosa do mês de Dezembro, saltitava por entre as gordas pôças da Nova Cidade de York com suas galochinhas de cristal.

Após suas orações na Igreja de São Patrício, do outro lado da rua, onde suplicava por uma bela refeição que coubesse tanto no estômago quanto no orçamento, dirigiu-se à mansão Villard, construída em 1882, então rebatizada de New York Palace.

O pátio de entrada era decorado com motivos das catedrais italianas do século XV e uma linda árvore de Natal atraía os olhares dos cocheiros Raj e Mahmood que pilotavam as carruagens amarelas que ali paravam.

Sua visita ao Palácio tinha um claro objetivo: conhecer o trabalho do aclamado príncipe “Justin Bogle – O Novo”, apelido cunhado ao se tornar o mais jovem cavaleiro das távolas de York a ser condecorado com Duas Estrelas por sua majestade, o Rei Michelin.

Logo na entrada, o arauto anunciou: “Abram-lhe os portões! Ela tem reserva!”. O salão de banquetes era precedido por um ambiente festivo, com uma bela escultura geométrica que flutuava sobre o bar e parecia mudar de forma com as luzes coloridas projetadas sobre ela. Um belo contraste com as linhas sóbrias do edifício.

Sentiu uma pontada de arrependimento por não ter escolhido este primeiro ambiente, onde poderia experimentar com menos formalidade um dos 50 cálices de vinho disponíveis enquanto devorava batatas trufadas, pizzas, saladas e outros pratos ligeiros. Avistou o Santo Graal: um cálice de Krug Grand Cuvée a “modestos’’ 65 dinheiros, mas sua reserva lhe levou ao salão seguinte.


Diante do salão principal, pouco iluminado, a protagonista exclamou: “Redrum! Redrum!”- mas lembrou que isso era outro filme.  O salão elegante, de pesadas e adequadas cortinas de veludo vermelho, tinha o clima perfeito para levar seu Gato de Botas num momento especial, pensou.


Perscrutou o ambiente e deduziu que paletós eram requeridos e as vestes despojadas como jeans seriam certamente vítimas de disparos de tomates pelados das janelas da fachada principal.

Já no couvert, teve ímpetos de enfiar na bolsa o delicioso pão de figo com nozes para deixar um rastro de migalhas até sua casa. Por precaução, comeu três.


Divertiu sua boca com um borscht esferificado com caviar, creme azedo e crumble de trigo, provavelmente criado em homenagem pela passagem do rei da Ucrânia.

Em seguida, uma inesquecível, imperdível e sedutora iguaria local: “bacon & eggs”, que na versão do Palácio era uma espuma de ovos com tapioca de bacon, marmelada de cebolas e torresmo.


Do mar, uma poesia na forma de um polvo ao curry com tinta de lula e pedacinhos de blood orange.


Cebolas desidratadas enfeitavam o naco de carne mais macio e delicioso de sua vida: contrafilé maturado de Angus do Niman Ranch com salsify desidratada sob fio de alho negro, com cogumelos e esponja de salsa e pingos de creme de tutano.


O tal veado da Branca de Neve terminou em seu prato, com grãos triturados de café e creme de squash.


O nobilíssimo Earl Grey deixou lembrança em forma de espuma sobre sorbet de maracujá e crumble.


A maçã vinha “envenenada” com um sorvete de Lambic e esferas de maple e chocolate branco.


Toda a equipe foi muito acolhedora, mesmo diante da donzela que disparava com sua besta fotos em alta resolução de cada prato degustado.


Inebriada pelo Tokaji e pela experiência ímpar, foi arrancada de seu conto de fadas com um alerta do seu estômago que, inchado com a comilança, avisava: “você acaba de virar uma abóbora, e nem precisou de doze badaladas”.  


Era o fim de uma longa temporada gastronômica na cidade de York que começara dez dias antes. Nem a fada madrinha nem mil e uma noites sobre uma esteira elétrica semi profissional eliminariam o volume de seu estômago. Com um suspiro, escondeu seus cabelos rapunzélicos sob um chapeuzinho vermelho e partiu. Era hora de se despedir do Palácio, do Natal e da linda cidade de York.

GILT
no New York Palace Hotel
455, Madison Avenue
(212) 891.8100

[texto feito especialmente para o site "TALHERES, CHEGUEI!", de Pedro Mello e Souza]

3 comentários:

  1. Oi Critina, adorei seu post, também tenho essa "mania" de sair por aí experimentando novos sabores. Conto minhas experiências no blog weektips.com.br. Descobri seu blog pelo ótimo grupo que participamos no face, o Trip Tips. Estou adorando seu blog, vou ler tudo!!!!!

    Um beijo, Simone

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  2. Você e a sua capacidade de nos transportar do texto para o local descrito nele, sério eu fico me imaginando saltitando entre as poças de NY, olha que nunca fui lá e consigo sentir o gosto do pão de figo com nozes! Ah, lindo texto!

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    1. Flávia, outros textos, poças e pães virão! Obrigada pelos elogios, querida! bjs

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