quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Vanguarda à Moda


Depois das grandes navegações, período de intensas descobertas e inovações tecnológicas, Portugal curiosamente deixou de ser um país associado à ousadia.  
Na gastronomia, o conservadorismo português fez com que a fronteiriça Espanha ganhasse distância com seus El Bulli, Mugaritz, El Celler de Can Roca ou Arzak. Os espanhóis soletraram "vanguarda" como ninguém sem que, para isso, abandonassem quaisquer de suas preparações tradicionais tão populares.
Há alguns anos seria curioso associar os termos “leveza” ou “inventividade” à gastronomia lisboeta, recheada de clássicos parrudos de sucesso. Mas preparem-se: este cenário “está a mudar”. Uma bela leva de jovens chefs apontou seus sextantes em direção ao futuro e desponta no horizonte da gastronomia mundial.
E a tradição, nada soma? Ao contrário. 
A tradição nos poupa das equipes excessivamente “afetadas”, dos maneirismos exagerados no serviço e das inúmeras instruções de como devemos comer o quê e em que ordem, nos restaurantes moderninhos. A tradição utiliza em abundância os ingredientes regionais, equilibrando a criatividade com o respeito aos sabores e preparações milenares. E finalmente, a tradição doma os excessos pirotécnicos da cozinha molecular que, a menos que esteja nas mãos de um gênio como Adrià, pode produzir resultados meramente circenses, que raramente estão a serviço do sabor.
Ao final de mais essa viagem gastronômica, cheguei a uma conclusão:  a tradição portuguesa é um tempero indispensável da vanguarda à mesa.

CANTINHO DO AVILLEZ:
O simples.

Avillez é jovem, talentoso e ambicioso.  Aos 31 anos, já passou pelas cozinhas de Ducasse e Adrià e conquistou uma estrela Michelin para o restaurante Tavares em apenas dois anos. Quem espera sobriedade ou formalismo em seu “Cantinho”, inaugurado há menos de um mês, está enganado. Seu primeiro vôo solo traz salão quase espartano,  cadeiras díspares e ambiente de bistrô moderno, recheado de gente jovem e bonita. Sua cozinha valoriza cada ingrediente e sua procedência em preparações simples. Na chegada, carta de drinques incrementada e cervejas servidas em flûtes de espumante. Uma pedida certa é a santola em creme frio com torradinha ao molho tártaro, ou a panelinha de vieiras escocesas com cogumelos, aspargos e batatas-doces orgânicas de Aljezur, no Algarve, (menos fibrosa e mais doce, com indicação geográfica protegida). Quem quiser algo local, pode mergulhar no atum açoreano, simples e divino, escoltado por legumes com toque oriental e leveza idem. Conseguir fazer do simples algo memorável é tarefa das mais difíceis, e Avillez entrega. Para uma proposta mais arrojada do chef, aguardemos seu novo restaurante Belcanto, de 55 lugares, com inauguração prevista para novembro.

José Avillez, sorriso recheado de novos projetos.




Santola em creme frio com torrada de ovos cozidos e cornichons.
Quebrar a torradinha na sopa fez toda a diferença.

Ceviche excelente, com guacamole e cilantro.

Atum dos Açores grelhado com legumes,
emulsão de soja e gengibre.

Vieiras na frigideira com cogumelos e batata doce de Aljezur.

A moda da vez em Lisboa: restaurantes de renome têm
rótulo em parceria com bons produtores.

"Azeitona Explosiva": um discreto traço da cozinha molecular
na brandade de bacalhau com migas soltas.

E um Serra da Estrela com tapenade, porque eu não sou de ferro...


SEA ME
O mar.

Quem disse que não é possível reinventar a tradicional marisqueira? O Sea Me é misto de peixaria, marisqueira, sushi bar, bar de ostras e todas as brumas que sopra o mar! Na ementa: ostras da Ria Formosa e outras do Rio Sado; um balcão de peixes fresquíssimos, grelhados ou assados pelas mãos do mineiro Daniel; sushis de choco, carapau ou vieiras; uma estupeta (ou barriga) de atum;  ou o delicioso lingueirão, molusco que visualmente parece um aspargo escondido numa seção de cana-de-açúcar. O chef é Felipe Rodrigues, que tem passagem por várias casas orientais. Se sua fome de peixe tem ares de vanguarda, prove  o gaspacho de melancia com aroma de hortelã e tempurá de vieiras; ou ceviche com molho cítrico, gergelim, rúcula e abacate; e ainda uma sopa de caranguejo com amêndoas. Mas imbatíveis mesmo são os peixes frescos e crustáceos, que podem ser admirados de perto no limpíssimo viveiro no subsolo.  
Shisô, folha presente em quase todos os cardápios lisboetas.

A "nova" marisqueira é pop e cool...

Ostras da Ria Formosa e ostras do Sado. Perfeitas.

Tamboril: mais difícil de encarar que de engolir...

Tubos que sopram ar gelado garantem 
o frescor dos peixes no balcão à mostra dos clientes.

Visite, se conseguir parar de comer, os viveiros no subsolo.

Lingueirão. Imperdível... e estranho.


Choco sobre shisô e tempura negro de tinta de choco.
Captou?



ASSINATURA
O sólido.[chef Henrique saiu]

Consistente do início ao fim, com menu degustação feito de produtos locais e equipe afiadíssima com profundo conhecimento dos ingredientes e orgulhosa da filosofia da casa. Um alinhamento raro entre salão e cozinha com respeito mútuo que marca as grandes casas. À mesa, a harmonia entre pratos e vinhos se segue, pontuada por adoráveis descobertas na carta 100% portuguesa, à exceção do Champagne francês.  O menu degustação é uma poesia que passeia por várias regiões portuguesas, do Algarve ao Alentejo. Um dos melhores pratos que já comi foi um polvo cozido por 2 horas, lentamente, com perfume delicadíssimo de ananás e batata doce; mas pensando bem, acho que foi o enxaréu (peixe dos Açores) com creme de milho doce, xuxu e vôngoles; ou a arrozada de rabada de touro bravo assado por três ou horas; ou... ou... O chef Henrique Mouro é um craque que pretendo revisitar.
Muxama de atum, "ou presunto dos pescadores", método
de 2.000 anos para conservar o atum nos meses de baixa.

Flor de abobrinha empanada com cerveja, em sopa
de beldroegas (ahã...) e escargots, com sementes
de erva doce e bacon.
Isso tudo não importa. Estava divina... e é só.

A sardinha assada mergulha num creme de tomates defumado
com torradinha de broa de milho.

Nelson apresentou todos os vinhos e Luis Xavier, todos os pratos
A dupla deu um show no salão. 

O presunto de pato é servido com figos, gelatina de vinho
e lâminas de foie gras.

Polvo assado por duas horas, com maracujá, ananás e
batata doce. Absolutamente divino.

Enxaréu dos Açores com creme de milho doce,
chuchu e búzios, alusivo à cumplicidade de Henrique Mouro com
o chef Aimé Barroyer do Tavares Rico.
Enquanto explicavam o prato, não consegui evitá-lo...

Arrozada com rabo de touro bravo assado por 3 horas,
com cogumelos morrilles e cebolinhas de Primavera.

Língua de sogra com mousse de chocolate branco
e calda de frutas vermelhas.

Henrique Mouro.

TASCA DA ESQUINA
O familiar.

De hambúrguer de atum até uma versão de gaspacho feito com maçãs assadas, o Tasca atrai famílias que reconhecem os pratos rápidos e populares, mas os recebem com um “twist”. O conceito é fácil e despojado, com jeitinho de bistrô moderno. A melhor pedida são os menus degustação, que podem ser acompanhados com o vinho da casa. Aliás, quando digo “vinho da casa” não me refiro ao vinho simples que é servido em “pichets”, como na França. A maioria dos bons restaurantes portugueses têm agora seu próprio rótulo feito em parceria com uma grande vinícola. A casa de Vitor Sobral acaba de inaugurar filial em São Paulo. À frente das panelas lisboetas, o jovem chef Hugo Nascimento.



Ao fundo, o queijo amanteigado de ovelhas.

Samosas indanas.

Sopa fria de maçãs assadas com tomate e ricota.

Bolinho de bacalhau com vinagrete.
A irresistível simplicidade.

Hamburguer de atum com ketchup de ginja (cereja ácida) e
farofa de mandioca.

Lombinho de porco com creme de limão e berbigão,
cozido à perfeição. Rimou. Comigo também.


Tentei focar no Chef mas o prato fez a gentileza
de desfocá-lo...

ALMA
O equilíbrio.

As paredes, piso, mesas e cadeiras branquíssimos desse pequenino bistrô ultra cool fazem com que o brilho dos pratos se reflita mais intensamente. A cozinha tem forte assinatura oriental e sua alma, com o perdão do trocadilho, é o equilíbrio. O vinagrete irretocável com acidez e untuosidade na medida que regava a salada de camarões e lulinhas salteadas com chili e compota de tomates cereja; ou ainda a harmonia entre o bacalhau cozido à perfeição que derretia na boca enquanto escoltava um purê de grão-de-bico com vinagrete de cebola roxa. Por trás do restaurante, o chef Henrique Sá Pessoa, que comanda um programa de gastronomia em rede nacional há 5 anos. Carregada de todo preconceito em relação ao prejuízo que a ausência de um chef “estrela” podia causar à sua cozinha, fiquei, ao contrário, encantada com a solidez da casa. O segredo reside na seriedade de Henrique e de uma equipe de salão e cozinha que o acompanha há anos.


Chef Henrique Sá Pessoa.

Carpaccio de novilho com molho thai,
com cebolinhas verdes, amendoim, melão e coentro.

Salada de camarões e lulinhas com chili e rúcula,
divinamente temperada.

Leitão assado por 24 horas com purê de batatas doces e
laranjinha confitada.

Bacalhau com purê de grão de bico e tomates confit.

Pudim de leite. Uma homenagem à passagem pelo
Rio de Janeiro.

Alma. A tela em branco que deixa os pratos brilharem.
BOCCA
O charme. [fechado em 2013]

O ambiente é uma delícia e cheio de bossa, e se desdobra em três salões claros, com conforto e modernidade na medida. A acústica, felizmente, é excelente. No palco, o balé da cozinha, visível de todo o salão.  As sardinhas defumadas do Algarve inspiraram o chef Alexandre Silva a criar um dos pratos mais marcantes da viagem: sardinha regada com gaspacho, acompanhada de pseudo-carvão feito com tinta de choco defumada. O tartare de carne vem com sorbet de hortelã, cubos levíssimos feitos de gema de ovo e um caldo gelificado de legumes que se derrete na boca. A equipe de salão descreve pratos e vinhos com muita simpatia e sedutores detalhes. Recomendo fortemente que leve ao travesseiro a lembrança do sorvete de limão (e limõezinhos confit) sobre um delicioso crumble que, como se não bastasse, é banhado com untuoso creme de arroz doce e escoltada por um biscoito de canela. Ai, ai...


Pães de azeitona, tomate e queijo me receberam.
Salada de salmão sobre escabeche de legumes, tomate
confitado e balsâmico.
Sardinha com "carvão" de tinta de choco e gaspacho. 
Delicadíssima.
Tartare de borrego com sorbet de hortelã.
Pregado em aveludado de mexilhões, pignolis e cogumelos.
Molho saborosíssimo.
Porco com melões grelhados sobre purê de espinafre.
Tudo se derretia em minha boca.
Sorvete de limão em creme de arroz doce.
Essa sobremesa entrou no rol das inesquecíveis.
Existem tantos outros retratos da “nova” Lisboa, como o delicioso 100 Maneiras, que visitei em Cascais e agora se estabeleceu na capital; ou o restaurante Manifesto, moderno e controverso; e ainda o bar Guilty, ponto mais disputado da cidade, em que um competente DJ leva os clientes a dançarem em cima das mesas madrugada adentro. Mas deixo que novos exploradores desbravem esses territórios, porque meu estômago, confesso, também tem fronteiras.

Cantinho do Avillez


www.joseavillez.pt
Rua dos Duques de Bragança 7 1200-162
Tel: 211992369
Horários: de terça a sábado, das 12:30 às 15:30
de segunda a quinta, das 19:30 às 24:00.
sexta e sábado, das 19:30 à 01:00.

Sea Me
Rua do Loreto, 21 - Lisboa - Chiado
Tel: 213 461 564
Horários: De Domingo a Quarta-feira, das 12h00 à meia noite
de Quinta-feira a Sábado das 12h00 às 02h00

Assinatura
www.assinatura.com.pt
Rua Vale do Pereiro, 19
Tel:  21 386 76 96
Horários:
Terça a Sexta, de 12:30 às 15:00
Jantar: Segunda a Sábado, de 19:30 às 22:30 (23:30 sexta e sábado)

Tasca da Esquina
Rua Domingos Sequeira 41C, Campo de Ourique
Tel: 210 993 939
Horários: Aberto de Terça a Sábado, das 12:30hs à meia-noite
Fechado aos domingos e segunda-feira no almoço.

Alma
Calçada Marquês de Abrantes 92/94
Tel: 213 963 527
Horários: Terça a sábado, das 19:30hs à meia noite

Bocca
Rua Rodrigo da Fonseca Nº87-D
Tel: 21 380 83 83
Horários: De Terça a Sexta, das 12:30 às 14:30 e das 19:30 às 23:00.
Sábado das 13:00 às 15:00 e das 19:30 às 23:00
Fechado aos Domingos e Segundas

4 comentários:

  1. Cristiana, delicioso! Quanto mais eu leio você, mais admiro seu estilo descontraído...

    Os 3 primeiros restaurantes eu já visitei e fiquei fã de carteirinha do Assinatura e do Cantinho do Avillez.

    Mas os 3 últimos ainda não conheço e vou colar suas dicas no passaporte para a próxima viagem.

    Parabéns pelas fotos que estão muito apetitosas. Bj.

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  2. Querido Oscar, obrigadíssima. Vindo de você, que respeito muitíssimo, fico muito besta mesmo. Volte sempre! Grande beijo.

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  3. I like food and drink you done with amazing work i like the food dressing...delicious recipe you sharing here...thanks and fabulous post..

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