quarta-feira, 1 de junho de 2011

O impasse e a sorte - Les Côtelettes, Paris


Desde que comecei a escrever sobre comida, as viagens viraram maratonas. Adoráveis, é verdade, mas ansiosas, ditatoriais e “recheadas” maratonas.

Ha sempre o momento do “chega”, povoado pelas mesmas rabugices mentais:

Não agüento mais fazer quatro refeições por dia!”
“Pra quê a obsessão? Não vai dar pra conhecer tudo mesmo!”
“É claro. Meu marido vai me largar quando as arrobas que ando ingerindo forem parar nos meus quadris!”

O momento “chega”, que acontece lá pelo sexto dia de viagem, usualmente precede o momento “eu sabia”, que se dá logo após a primeira parada aleatória:

“Eu sabia que entrar em qualquer lugar sem fazer pesquisa ia dar nessa bomba!”
“Isso é pra aprender que lugar bonitinho é a maior furada.”
“Bem feito! Pagou caro por comida ruim!”

Pois bem, depois de um dia exaustivo, com os pés inchados e a barriga murcha, não restava disposição de pesquisar mais nada. Caminhamos pelas ruas próximas ao hotel em busca de qualquer coisa capaz de preencher o vazio onde outrora fora meu estômago. O alinhamento astral prenunciava a conjunção “chega/eu sabia”.

Não tinha qualquer esperança de encontrar nada medianamente recomendável; buscava tão somente um local que não exigisse mais da minha aparência do que a de um soldado desacordado rebocado de uma trincheira. Foi então que chegamos a um Impasse. Mais precisamente ao “Impasse Guéménée”, um dos vários becos sem saída da cidade, bem próximo à Place des Vosges.


Avistamos a luz âmbar de um bistrô e entramos. Como um cachorro faminto, devorava o que podia com os olhos: os copos dispostos sobre as mesas, os guardanapos feitos de panos de prato, as paredes de pedra e as vigas aparentes no teto. O público, predominantemente de bairro recebia a visita da feliz proprietária em várias mesas. Tudo que via era um convite aos olhos e um conforto à alma.

Num canto, quadrinhos antigos com o drink favorito
do final do século XIX, feito com vinho,
quinina e água tônica: o BYRRH.
 



A seqüência de felicidades parecia ter sido encomendada num poço dos desejos, a começar pelo velouté de couve-flor, que merecia todo o veludo da descrição.


Em seguida o ceviche de robalo com gengibre. Delicioso.

Escargots com manteiga de alho.
A carne macia da rilette de coelho se desmanchava na boca.



Passamos por alguns pratos melhores, outros nem tanto. O que verdadeiramente impressionou foi o prato que batiza a casa: as suculentas costeletas de cordeiro com batatas em lascas.


A sorte de achar um bistrô escondido e sem turistas, com bons vinhos, ambiente delicioso e serviço amigável, foi um daqueles momentos mágicos que só acontecem na Paris dos filmes, onde todos os desejos se realizam. Mas no fim entendi tudo: as costeletas, assim como nós, são desejos feitos de carne... e osso.

LES COTELETTES
www.lescotelettes.com
4, impasse Guéménée
75004 Paris
Tél : 01 42 72 08 45

8 comentários:

  1. Não dá pra ler esse post com fome! É desesperador. Maravilhoso o texto, como sempre.

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  2. O post tá execelente!
    E a comida, hein? Realmente dá vontade de comer depois de lê-lo. Parabéns.

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  3. Coisa de filme, mesmo! Mas que bom que, e pela positiva, a realidade consegue superar a ficção. Este endereço aqui eu vou anotar para quando voltar a Paris :)

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  4. João, para você é tãããão próximo! Aproveite!

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  5. Adorei a dica e ja anotei o endereço pra ir em novembro.

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  6. Verdade, Cris, nos dias que correm, Paris parece que já é logo ali, ao virar da esquina — quase :)

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  7. As frases, me identifiquei demais! Adorei!

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